O Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu, em julgamento recente da 1ª Seção sob a sistemática dos recursos repetitivos, que os municípios devem cobrar o Imposto Sobre Serviços (ISS) na modalidade fixa das sociedades uniprofissionais, mesmo quando constituídas sob o regime de responsabilidade limitada, desde que atendidos determinados requisitos legais.
As sociedades uniprofissionais são formadas por profissionais liberais, como advogados, contadores, engenheiros e médicos. Essas entidades têm direito à cobrança de ISS por alíquota fixa — que varia de 2% a 5% — calculada por sócio. O modelo é mais vantajoso em comparação ao regime aplicado a empresas não enquadradas na categoria, nas quais o imposto é calculado sobre o total do faturamento.
Entendimento consolidado pelo STJ
O julgamento, que envolveu os Recursos Especiais (REsp) nº 2.162.487 e nº 2.162.486, discutiu a aplicação dos parágrafos 1º e 3º do artigo 9º do Decreto-Lei nº 406/1968, que dispõe sobre a base de cálculo do ISS. O §1º determina que o imposto incide mediante alíquotas fixas ou variáveis quando o serviço é prestado sob a forma de trabalho pessoal do contribuinte. Já o §3º prevê que, quando os serviços forem prestados por sociedades, estas também estarão sujeitas ao mesmo tipo de cobrança, proporcional ao número de profissionais que atuam em nome da sociedade e assumem responsabilidade pessoal.
A controvérsia se concentrava na possibilidade de sociedades constituídas sob o regime de responsabilidade limitada continuarem a usufruir da tributação fixa.
Posição da Procuradoria-Geral do Município de São Paulo
Durante o julgamento, a Procuradoria-Geral do Município de São Paulo (PGM-SP), parte nos dois processos, defendeu que a alíquota fixa do ISS foi originalmente instituída para reduzir os riscos do profissional que atua sob responsabilidade ilimitada, pois este responde com seu patrimônio pessoal por eventuais débitos fiscais.
Em sustentação oral, o procurador municipal Paulo André afirmou: “A limitação patrimonial, ainda que juridicamente lícita, rompe o pressuposto de risco pessoal que fundamenta o regime do parágrafo 3º. E se rompe-se o fundamento, rompe-se também o direito de benefício.”
Os ministros, entretanto, entenderam que o regime de responsabilização patrimonial não é, por si só, impeditivo para a aplicação da tributação fixa. A 1ª Seção, por unanimidade, adotou a tese proposta pelo ministro Afrânio Vilela, reconhecendo que o benefício fiscal é aplicável quando comprovada a prestação pessoal de serviços pelos sócios, a responsabilidade técnica individual pelo trabalho executado e a inexistência de estrutura empresarial, que descaracterizaria o caráter personalíssimo da atividade.
A decisão uniformiza a jurisprudência sobre o tema e estabelece parâmetros objetivos para a concessão do regime diferenciado do ISS.
Após o julgamento, a PGM-SP informou, em nota enviada ao Valor Econômico, que o entendimento consolidado pelo STJ já vinha sendo observado pela administração tributária municipal. Em razão disso, a Súmula Administrativa nº 10, de 2010, foi alterada para deixar expresso que o tipo societário adotado por uma sociedade uniprofissional “não é, por si só, motivo para exclusão do regime de alíquota fixa — o que importa é a forma como o serviço é efetivamente prestado”.
A procuradoria destacou, contudo, que em um dos casos analisados o contribuinte mantinha estrutura empresarial, o que levou à perda do direito à tributação diferenciada. O relator não se manifestou sobre o resultado concreto do segundo caso julgado como paradigma.
Consolidação de jurisprudência
Tributaristas apontam que a decisão da 1ª Seção consolida o entendimento que já vinha sendo aplicado em precedentes anteriores. Em julgamento anterior (EAResp nº 31.048), o próprio STJ já havia afirmado que “não é relevante para a concessão do regime tributário diferenciado a espécie empresarial adotada pela pessoa jurídica, pois, como no caso concreto ora analisado, pode haver sociedades limitadas que não são empresárias”.
O advogado Guilherme Peloso Araujo, sócio do escritório CBA Advogados, destacou que “embora sejam tipos societários diferentes, o fato de a sociedade de profissionais se constituir sob a forma de limitada não lhe retira o caráter de prestação de serviço previsto pelo Decreto-Lei nº 406/68”. Ele acrescentou que “acerta o STJ ao firmar a jurisprudência já praticada há tempos, e esperamos que as prefeituras, dentre elas a de São Paulo, reconheçam o entendimento e cessem as ilegais autuações e negativas de regimes contra contribuintes”.
Critérios de caracterização e fiscalização
O advogado Leonardo Gallotti Olinto, sócio do escritório Daudt, Castro e Gallotti Olinto, ressaltou que a forma jurídica da sociedade não é, por si só, suficiente para descaracterizar a natureza da prestação de serviços.
“A simples denominação ou forma de constituição de uma sociedade não é o suficiente para descaracterizar o tipo de prestação, nem a forma como o serviço chega ao consumidor”, afirmou.
No entanto, o tributarista ressalvou que essas sociedades não podem realizar atividades distintas daquelas que definem sua natureza uniprofissional. “Cabe à fiscalização verificar o que está sendo praticado pela sociedade que se autodenomina uniprofissional e tributar, se for o caso”, completou.
Segundo Pietro Reo Donghia Rondó, sócio do escritório Chatack, Faiwichow e Faria Advogados, contribuintes que foram autuados indevidamente em razão da forma societária podem recorrer ao mandado de segurança, à ação declaratória com repetição de indébito ou à ação anulatória, caso já exista lançamento fiscal.
Esses instrumentos judiciais permitem discutir a legalidade da cobrança e buscar o reconhecimento do direito ao regime de ISS por alíquota fixa, conforme os critérios definidos pelo STJ.
Impactos da decisão
Com o julgamento sob o rito dos recursos repetitivos, o entendimento do STJ passa a vincular os demais tribunais e deve servir como referência obrigatória para casos semelhantes. A decisão traz maior segurança jurídica às sociedades uniprofissionais que exercem atividades técnicas com responsabilidade pessoal dos sócios, mas que optaram pela constituição sob o formato de responsabilidade limitada.
A definição da Corte também deve orientar a atuação das administrações tributárias municipais, reduzindo divergências na interpretação do regime de ISS fixo e prevenindo autuações indevidas.
Com informações do Valor Econômico