Um estudo realizado pela LCA Consultores, a pedido do Sindicato Nacional da Indústria da Cerveja (Sindicerv), concluiu que o custo de reinstalação do Sistema de Controle de Produção de Bebidas (Sicobe) seria três vezes maior que o montante de tributos sonegados que poderiam ser recuperados com sua reativação.
De acordo com o levantamento, o custo estimado para reimplantar o sistema seria de R$ 1,2 bilhão — apenas para o controle de selagem de cervejas —, enquanto o potencial de recuperação de tributos federais sonegados no setor seria de R$ 453 milhões.
A discussão sobre a volta do Sicobe será analisada pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) a partir da próxima sexta-feira (17). O tema ganhou destaque após recentes casos de contaminação de bebidas destiladas com metanol, embora a Receita Federal tenha reiterado que o sistema não tem relação com o controle de qualidade das bebidas.
O que é o Sicobe e por que foi desativado
O Sicobe era um sistema automatizado implantado em 2008 pela Receita Federal, com o objetivo de monitorar a quantidade de bebidas produzidas no país — como cervejas, refrigerantes e águas.
O equipamento funcionava por meio de máquinas instaladas nas fábricas, que faziam a contagem de garrafas e latas produzidas, auxiliando no controle de tributos federais. O sistema era obrigatório para fabricantes de cerveja, refrigerantes e água mineral, e opcional para produtores de destilados.
Em 2016, o Sicobe foi desativado após denúncias de corrupção que envolveram a Casa da Moeda, uma empresa suíça e um servidor da Receita Federal.
No ano passado, o Tribunal de Contas da União (TCU) determinou que o Fisco deveria reativar o sistema, decisão que levou o governo a recorrer ao STF.
Em abril de 2025, o ministro Cristiano Zanin suspendeu temporariamente a decisão do TCU, entendendo que a Receita Federal possui competência para definir e dispensar obrigações tributárias acessórias, como o uso de contadores automáticos de produção.
Receita Federal considera sistema oneroso e obsoleto
A Receita Federal se manifestou contrária ao religamento do Sicobe, classificando o sistema como “extremamente oneroso e tecnicamente inviável”.
Segundo o órgão, o custo de operação do Sicobe equivaleria a 15% da arrecadação do setor de bebidas, percentual considerado “desproporcional e abusivo”.
A Receita também informou que seu desligamento não causou prejuízo à arrecadação tributária, e que o sistema já foi substituído por ferramentas digitais mais eficientes, como a Nota Fiscal Eletrônica (NF-e), a Escrituração Fiscal Digital (EFD) e o Bloco K do SPED (Sistema Público de Escrituração Digital).
O órgão ressaltou que, com menos de 10% do custo operacional do Sicobe, seria possível alocar auditores fiscais em cada uma das empresas monitoradas em 2016, garantindo controle fiscal mais efetivo.
Terceirização integral é outro ponto questionado pelo Fisco
Além do custo elevado, a Receita aponta que o Sicobe apresentava um problema jurídico de terceirização integral, uma vez que todo o controle de produção era executado por uma empresa privada contratada para operar o sistema.
Essa característica, segundo o órgão, inviabilizava o controle direto da Receita sobre o processo fiscalizatório e contrariava princípios de autonomia e sigilo fiscal.
A Receita também esclareceu que não há correlação entre o desligamento do Sicobe e os casos recentes de contaminação de bebidas com metanol, pois o sistema não avaliava a qualidade dos produtos, mas apenas a quantidade produzida.
TCU alega perda de arrecadação; Receita contesta
A determinação do TCU para o religamento do Sicobe foi baseada em suposta queda na arrecadação tributária do setor de bebidas após a desativação do sistema.
A Receita, entretanto, contesta os dados utilizados pelo tribunal, afirmando que as variações na arrecadação decorrem de mudanças na legislação tributária federal, e não da ausência do sistema de contagem.
De acordo com o estudo da LCA Consultores, a redução de arrecadação no setor foi influenciada por três fatores principais:
- Redução de 35% nas alíquotas de IPI sobre bebidas em 2022;
- Ampliação dos créditos tributários de PIS/Cofins sobre insumos, ocorrida em 2018;
- Decisão do STF em 2017, que excluiu o ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins, diminuindo o valor recolhido e permitindo compensações retroativas.
Esses fatores, segundo a consultoria, afetaram toda a indústria, não apenas o setor de bebidas.
Sonegação no setor de cervejas é inferior a 4% da arrecadação
A LCA Consultores calculou que a sonegação no mercado de cervejas corresponde a 3,9% da arrecadação total do setor, índice considerado baixo quando comparado ao de outros segmentos.
Como exemplo, a consultoria cita o setor de cigarros, onde o índice de sonegação chega a quase 50%, mesmo com o uso de um sistema de controle próprio, o Scorpios, desenvolvido para rastrear a produção com selos físicos.
Esses dados reforçam o argumento de que o religiamento do Sicobe não seria economicamente viável, já que o custo de reinstalação (R$ 1,2 bilhão) superaria amplamente o potencial de recuperação tributária (R$ 453 milhões).
Sindicerv: custo inviabilizaria pequenas cervejarias
O presidente do Sindicerv, Márcio Maciel, afirmou que o custo de reinstalação do Sicobe inviabilizaria a operação de pequenas cervejarias, além de deixar de fora do controle justamente o mercado informal, que representa a parcela com maior risco de sonegação.
“O custo de instalação do Sicobe inviabiliza a produção de cervejas por pequenas empresas, e um sistema restrito às maiores companhias deixaria justamente a parte informal do mercado fora da fiscalização”, declarou Maciel.
“Essa história de aumento na sonegação depois do desligamento do Sicobe não é real e, em termos de custo, não faz o menor sentido discutir o religamento desse sistema.”
Sicobe e Scorpios: sistemas de natureza distinta
Segundo a Receita Federal, é incorreto comparar o Sicobe (voltado para controle de produção de bebidas não alcoólicas e cervejas) ao Scorpios, que atua no setor de tabaco.
O órgão explica que, enquanto o Scorpios utiliza selos físicos aplicados pela Casa da Moeda, o Sicobe era um sistema eletrônico automatizado, cuja função era contabilizar garrafas produzidas — sem análise da composição química ou da qualidade do produto.
Com o avanço tecnológico e a integração de sistemas digitais, o Fisco considera que o Sicobe se tornou obsoleto, já que o monitoramento digital de notas e estoques oferece controle mais abrangente, transparente e de menor custo.
Decisão do STF pode encerrar impasse entre TCU e Receita
A Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal deve retomar na próxima sexta-feira (17) o julgamento que definirá se a Receita Federal é obrigada a reativar o Sicobe ou se pode manter o desligamento do sistema com base em critérios de eficiência administrativa e custo-benefício.
O voto do relator, ministro Cristiano Zanin, já suspendeu os efeitos da decisão do TCU em abril, mas o caso ainda depende da análise dos demais quatro ministros que compõem a turma.
O estudo da LCA Consultores e as manifestações da Receita Federal reforçam o entendimento de que o Sicobe representa um custo desproporcional ao potencial arrecadatório, além de ser um sistema tecnicamente superado.
A decisão do STF sobre o caso definirá os próximos passos da política de fiscalização da produção de bebidas no Brasil, e poderá encerrar uma disputa jurídica que se arrasta desde 2016, envolvendo o TCU, o Ministério da Fazenda e o setor produtivo.
Com informações da Folha de S. Paulo