Mas, no caso brasileiro, toma vulto o debate sobre a queda de atividades econômicas e sua influência no valor dos repasses, pela União, do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), que é proporcional ao número de habitantes em cada município e tem por base o IPI e o Imposto de Renda (IR). Desde janeiro vem caindo o repasse e já se prevê (Estado, 20/3) que este ano a arrecadação federal daqueles impostos se reduzirá em R$ 48,3 bilhões (de R$ 805,2 bilhões para R$ 756,9 bilhões), assim como diminuirá em R$ 5 bilhões o repasse de royalties a municípios pela extração de petróleo. A previsão era de que a União transferisse pelo FPM R$ 143,2 bilhões este ano, mas agora se preveem R$ 127,3 milhões. Como entre 70% a 80% dos municípios brasileiros não dispõem de fontes próprias de arrecadação - não cobram nenhum imposto e mesmo os que cobram são afetados -, a crise está instalada, com reflexos nas campanhas eleitorais que se aproximam.
Além disso, são muitas as discussões sobre a conveniência e a adequação, para estimular a economia, de reduções de impostos que têm beneficiado veículos e outros itens, e que já somam R$ 8,9 bilhões (Estado, 2/4). Há quem pergunte por que foram escolhidos esses setores e não outros. Por que não se exigiram contrapartidas, como a obrigatoriedade de reduzir as emissões de poluentes. Por que não se reduzem também impostos pagos pelos estratos mais pobres da população - nos produtos alimentícios e outros itens essenciais. Por que se continua a privilegiar setores que exportam (veículos, produtos do agronegócio, eletrointensivos, entre outros), quando, nestes, grande parte dos benefícios da redução são transferidos para os importadores/comerciantes/consumidores no exterior. Só no ano passado, as "desonerações tributárias" para alguns desses setores somaram R$ 18 bilhões, segundo a Receita Federal (Folha de S.Paulo, 26/3). Mais recentemente, foram perdoados débitos de R$ 3 bilhões para 1,15 milhão de contribuintes (800 mil empresas, 356 mil pessoas físicas) já inscritos na dívida ativa (que é, no total de R$ 654 bilhões, perto de 25% do PIB). Neste mês de abril permitiu-se a 40,2 mil produtores rurais reduzir em até 70% débitos que totalizam R$ 7,2 bilhões.
Nem se pode dizer que é uma prática nova, inventada pelo atual governo. Em 1997 e 1998 instituiu-se um processo de renegociação de dívidas de Estados e municípios, com subsídios na taxa de juros, que em dez anos, segundo o Ipea, significou R$ 106 bilhões (Estado, 17/3). E já há quem fale em novo reparcelamento dessa dívida. Na mesma hora, relembra o Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário que a sonegação de impostos (principalmente contribuições para a Previdência, ICMS e IR) por empresas em 2008 chegou a R$ 200,29 bilhões (que equivalem a cerca de 32% do Orçamento da União), para um faturamento empresarial de R$ 800 bilhões.
Neste jornal (3/3), o comentarista Celso Ming, com propriedade, perguntou por que as desonerações não têm beneficiado pequenas e médias empresas, exatamente as que mais trabalhadores empregam, cerca de 6 milhões. Outros analistas têm enfatizado a injustiça de não serem beneficiados setores em que as camadas menos favorecidas têm maior participação no consumo. Nos 33,5% do PIB que a carga tributária representa, quase dois terços são pagos igualmente por pobres e ricos.
Muitas outras perguntas podem ser feitas. Como, por exemplo: quando o Congresso Nacional vai votar uma reforma tributária que ponha fim à chamada "guerra fiscal", que já custa algumas centenas de bilhões de reais aos Estados e municípios envolvidos, que concedem isenções a empresas sob o pretexto de atraí-las para se instalar em seus territórios? É um argumento que já não se sustenta, uma vez que praticamente todos os Estados oferecem os mesmos incentivos e o que decide mesmo são outros fatores, como logísticas de mercado, de transportes, de matérias-primas e insumos, entre outros. Mas nesse contexto os consumidores continuam pagando os impostos sobre os produtos (ICMS, ISS e outros), que não são recolhidos pelas empresas beneficiárias - num sistema com forte contribuição para os processos de concentração de renda no País.
São muitos caminhos. Como o que permite ao Tesouro Nacional contingenciar parte dos recursos arrecadados pela cobrança por uso de água nos comitês de gestão de bacias hidrográficas, e que deveriam ser totalmente aplicados na própria bacia. Já houve ano em que o contingenciamento foi superior a todo o orçamento anual da Agência Nacional de Águas. Ou a legislação que permite a usinas hidrelétricas considerar pagamento pelo uso da água as importâncias que transferem aos municípios inundados pela construção de reservatórios. Ou ainda o pagamento da sociedade, em suas contas de energia, a termoelétricas (de novo em evidência) durante os anos em que nada produzem, porque não se necessita de sua energia altamente poluidora.
Seria muito oportuno, necessário mesmo, que o País todo pudesse ser informado em pormenores sobre a composição e a destinação dos impostos que paga. Para que a sociedade comece a influir nesses rumos e os torne mais adequados.
Fonte: O Estado de S. Paulo
Enviado por: Wilson Fernando A. Fortunato