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Comércio Varejista: a fina arte da grosseria

Preocupam-se com o pós-venda, mas perdem clientes logo na porta da loja.

14/12/2011 22:02:10

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Comércio Varejista: a fina arte da grosseria

A capacidade empresarial é considerada um dos fatores de produção (além de recursos naturais, capital e trabalho) e não existe economia dinâmica sem empresários dinâmicos, os governos não podem capitanear todo processo de crescimento e desenvolvimento econômico, mesmo que o queiram.

Contudo, agindo em sentido contrário à capacidade empresarial reconhecida como geradora de riquezas, poderíamos considerar que um conjunto de atitudes empresariais acaba por anular ou na melhor das hipóteses diminuir essa capacidade: a estupidez empresarial!

 "O desenvolvimento econômico até agora é simplesmente o objeto da história econômica, que por sua vez é meramente uma parte da história universal, só separada do resto para fins de explanação. Por causa dessa dependência fundamental do aspecto econômico das coisas em relação a tudo o mais, não é possível explicar a mudança econômica somente pelas condições econômicas prévias. Pois o estado econômico de um povo não emerge simplesmente das condições econômicas precedentes, mas unicamente da situação total precedente." (A Teoria do Desenvolvimento Econômico - Schumpeter) (*)

Mas, dinamismo não pode ser sinônimo de práticas desleais e descorteses contra os consumidores, a boa educação também se constitui fator de produção, principalmente no atendimento ao consumidor final, no comércio varejista. Comércio varejista que deveria ser dominado por profissionais que o escolheram por livre vontade, não por incapacidade ou incompetência ao desempenharem outras funções e de explorarem outras atividades econômicas que não lhes foram favoráveis.

A personagem João Romão (**), parece ter influenciado gerações de empresários do comércio varejista.  A educação (que vai além da escolar) permeia todas as nossas ações e reações, ela está representada em nosso cotidiano.  Boa ou má, é o espelho da visão do mundo, da Natureza, que o indivíduo formula para si mesmo e a projeta no meio social.

É difícil para uma escola, mesmo as de negócios que começam aparecer no mercado especializado para empresários (sobretudo os do comércio) e administradores, reformular percepções adquiridas de um Sistema de Educação (ainda) deficiente no País. As famílias não saem ilesas desse processo na educação de seus filhos, pois, se é verdade que nosso sistema educacional precisa evoluir muito, também o é para nossa educação basilar, a que vem diretamente da família.

Essa má educação é exercida diariamente nos mais variados segmentos do comércio varejista, não pensem que estou a me referir aos rincões do Brasil, mas às capitais principalmente, São Paulo é exemplo pois representa, com sua população oriunda de todo o País e de quase todas as outras nações, um valioso extrato para apreciação do assunto.

É sabido que todo sistema econômico comporta ineficiências, sem que, com isso, as taxas de lucros sejam afetadas negativamente, principalmente em países de dimensões continentais, em que as opções de comércio podem ser afetadas pelas distâncias e pela pouca variedade nos bens e serviços ofertados, principalmente para os cidadãos que auferem baixa renda. 

Constitui-se erro imaginar que todos os agentes econômicos estão em busca da excelência, principalmente no comércio varejista brasileiro, pouco estudado e que pouco estuda, que ainda representa um amálgama de práticas derivadas do modo de vida oligárquico, escravagista e policialesco, senão vejamos: mesmo nas grandes redes (exceções) de comércio varejista, não é possível ingressar nas lojas se os cidadãos (principalmente do sexo masculino) não deixarem suas bolsas, malas ou pastas, na entrada da loja, normalmente são abordados com má educação quando esquecem das grosserias que lhes são impostas. São livrarias, lojas de materiais para construções, supermercados etc. não adianta argumentar que não se irá roubar a loja, apenas fazer compras. Os verdadeiros marginais essas empresas não conseguem afugentar, apenas seus potenciais clientes.


Os proprietários, administradores e acionistas dessas empresas esquecem ou ignoram os mais elementares Direitos Constitucionais, ou seja, enquanto nos países que estão em um estágio desenvolvido em relação ao Brasil, nos Direitos Civis, nas práticas de comércio, adotam o seguinte princípio: todo cidadão é inocente até que se prove o contrário. Aqui, adotamos a seguinte regra (aparentemente imutável): todo cidadão é culpado, até que consiga provar o contrário e com seus próprios méritos e recursos.

Tanto pior, é quando o cidadão, indignado, faz reclamações às gerências. As empresas, passam a descrever (se for por e-mail) o que deveria ser, mas não é.  Descrevem em detalhes como deveriam ser os tratamentos aos seus clientes, evidenciando a falta de profissionalismo que ainda ocorre nessas áreas das empresas, elas sequer entendem as reclamações que recebem. Estão preocupados com o pós-venda, mas perdem clientes logo na porta da loja.  

Em um bar lê-se em letras garrafais: "não emprestamos isqueiros e fósforos, não insista!"  A frase, um misto de advertência e ameaça, poderia ser reescrita da seguinte forma: "não emprestamos isqueiros e fósforos, não insista! pois somos obtusos e não o queremos como cliente, você não nos convencerá do contrário, suma e não volte mais!” 

Em outro estabelecimento, lê-se: "se você esbarrar nas prateleiras e quebrar a louça [...] pagará pelo prejuízo.” Na realidade, o cliente pagaria não apenas pela ineficiência do comerciante lojista,  mas por sua preguiça e visão turva sobre como aplicar técnicas para organizar materiais numa prateleira, corretamente. Pode-se fazer uma coleção de grosserias cometidas diariamente no comércio varejista brasileiro e elas são escritas, para que não restem dúvidas aos pobres clientes: Observem que Cortesia e Direito foram subvertidos, nos itens 1 e 2, talvez se refiram ao Direito praticado tendo como base a “Lei da Selva”, não o Direito de sociedades civilizadas. O item 3 demonstra a “fidalguia” de quem ordenou que fosse escrito “mera cortesia” (onde está a cortesia ?): 

1- Reservamo-nos o direito de não nos responsabilizarmos [...];

2- Reservamo-nos o direito de fazer alterações [...] sem aviso prévio;

3- Este estacionamento é mera cortesia [...]. 

As empresas (todas) são uma concessão do Estado, Estado vale dizer: sociedade.

A sociedade fornece legalismo (direitos e deveres), civilismo, garantias etc. para a empresa. Não é lógico, não é justo, é ilegal (Constituição Federal, Código de Defesa do Consumidor, CLT) que a empresa retribua com grosserias, que opere à margem da Lei que a beneficiou, tratando os cidadãos como marginais ou idiotas. 

A empresa não é simplesmente uma unidade produtora e comercial, ela tem função social, nela são expressas as relações sociais de um povo, não estamos no século XIX, nas principais praças comerciais (Rio de Janeiro e São Paulo) negociando escravos ao ar livre; embora, em muitos aspectos, o Brasil não tenha abandonado o século XIX. 

“O desenvolvimento econômico muda as atitudes, assim como é o resultado de atitudes modificadas.” (C. P. Kindleberger)

O Comércio brasileiro (exceções) não pode continuar a ser um depositário de indivíduos incompetentes e rudes, que acreditam ser comerciantes somente porque seus pais e avós o foram.  Precisamos nos guiar por competência e habilitação ao que se vai fazer. Somente a prática não fornece juízo sobre as possibilidades enfrentadas pelas organizações, esse é pensamento reinante nos países atrasados em que não se conseguiu fazer a interação entre Ciência , Técnica e Profissionalismo. A capacidade de comerciar não é hereditária.

Somente com uma revolução educacional (que extrapola a escola) os brasileiros terão uma educação voltada para os interesses do Estado e das empresas privadas. É o único caminho pacífico, já conhecido pelas sociedades. Não existe economia sofisticada sem Ética, caso contrário teremos apenas uma barbárie sofisticada.  Educação também é riqueza.
____________________

(*) Negrito meu

(**) O Cortiço - Aluísio Azevedo - 1890

 

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