No início dos anos 2000, uma diversidade de empresas que se propunham a desenvolver campanhas de marketing de incentivo surgiu no país. A ideia era a de criar eventos que, por intermédio da concessão de prêmios (em bens, dinheiro ou serviços, a critério do beneficiário), gerassem maior atração, produtividade e retenção de talentos.
Ocorre que, infelizmente, algumas dessas empresas venderam a falsa ideia de que, por se tratar de campanhas de marketing de incentivo, os valores pagos aos trabalhadores não deveriam ser tratados como parcela de natureza remuneratória. E, para piorar, a operacionalização dessa “solução” compreendia a entrega de cartões eletrônicos de premiação, cujo valor disponibilizado a cada trabalhador sequer era lançado nas folhas de pagamentos.
Nos autos de uma reclamatória trabalhista que tramitou na região sul do país, um trabalhador demonstrou que os valores aportados no cartão eletrônico que lhe foi concedido decorriam do atingimento de metas de desempenho, o que resultou na incorporação dos valores ao seu salário.
Diante das evidências trazidas naqueles autos, os Ministérios Públicos do Trabalho e Federal iniciaram uma grande operação de fiscalização nas empresas que adotaram a mesma prática, nos trabalhadores beneficiados com tais pagamentos e nas empresas que os intermediaram. O resultado foi a lavratura de milhares de autuações fiscais, contra pessoas físicas e jurídicas, para a cobrança dos tributos e encargos trabalhistas que deixaram de ser recolhidos.
Alguns projetos de lei tentaram regulamentar a concessão dos prêmios, mas nenhum deles vingou em razão do elevado risco de reduzir direitos dos trabalhadores e dos encargos previdenciários incidentes sobre parcelas de natureza remuneratória.
Mais de uma década depois, a Lei nº 13.467/17 (Reforma Trabalhista) trouxe a figura do prêmio como parcela desprovida de natureza remuneratória, nos seguintes termos:
“Art. 457 (...).
§ 2º As importâncias, ainda que habituais, pagas a título de ajuda de custo, auxílio-alimentação, vedado seu pagamento em dinheiro, diárias para viagem, prêmios e abonos não integram a remuneração do empregado, não se incorporam ao contrato de trabalho e não constituem base de incidência de qualquer encargo trabalhista e previdenciário. (...)
§ 4º Consideram-se prêmios as liberalidades concedidas pelo empregador em forma de bens, serviços ou valor em dinheiro a empregado ou a grupo de empregados, em razão de desempenho superior ao ordinariamente esperado no exercício de suas atividades.”
Em reconhecimento ao acima disposto, o legislador entendeu por bem replicar a norma de isenção na legislação previdenciária, conforme se verifica do disposto no art. 28, §9º, “z” da Lei nº 8.212/91:
“Art. 28 (...)
§ 9º Não integram o salário-de-contribuição para os fins desta Lei, exclusivamente: (...).
z) os prêmios e os abonos.”
Dessa forma, apesar do justo preconceito das autoridades fiscalizadoras quanto à concessão de prêmios, agora existem diretrizes legais que justificam o não recolhimento de encargos trabalhistas e previdenciários.
No entanto, como todos sabem que o Brasil não é um país para amadores, a questão não poderia ser simples. A partir da publicação das normas acima citadas, surgiram discussões acerca do preenchimento dos requisitos para o pagamento dos prêmios, com as quais pretendemos contribuir no presente artigo.
A nosso ver, são três os requisitos a serem preenchidos:
- Que o pagamento do prêmio decorra de liberalidade da empresa;
- Que o prêmio seja concedido a trabalhador que possui vínculo de emprego; e
- Que o prêmio seja concedido em virtude do desempenho superior ao ordinariamente esperado no exercício de suas atividades.
A grande controvérsia reside no primeiro requisito, já que, além de não existir um conceito legal do que deve ser considerado como “liberalidade da empresa”, a jurisprudência trabalhista é totalmente distinta da jurisprudência fiscal-previdenciária.
De fato, enquanto a jurisprudência trabalhista entende que a liberalidade está configurada nas hipóteses em que um determinado pagamento não decorre de lei, de decisão judicial ou de acordo sindical, a jurisprudência fiscal-previdenciária entende que a liberalidade somente se configura quando o beneficiário é surpreendido (não existia prévio pacto) com o recebimento de um determinado pagamento.
Nesse sentido, a Receita Federal do Brasil fez publicar a Solução de Consulta nº 151/2019, para deixar consignado o seguinte:
“Os prêmios excluídos da incidência das contribuições previdenciárias: (1) são aqueles pagos, exclusivamente, a segurados empregados, de forma individual ou coletiva, não alcançando os valores pagos aos segurados contribuintes individuais; (2) não se restringem a valores em dinheiro, podendo ser pagos em forma de bens ou de serviços; (3) não poderão decorrer de obrigação legal ou de ajuste expresso, hipótese em que restaria descaracterizada a liberalidade do empregador; e (4) devem decorrer de desempenho superior ao ordinariamente esperado, de forma que o empregador deverá comprovar, objetivamente, qual o desempenho esperado e também o quanto esse desempenho foi superado.”
A hipótese em que parece ser possível conceder o prêmio, a partir da interpretação do Fisco, é aquela em que a empresa possui um programa de remuneração variável com metas previamente divulgadas (tal qual ocorre nos Planos de Participação nos Lucros ou Resultados) e um trabalhador – ou grupo de trabalhadores – as supera. Uma vez apurado o desempenho superior ao ordinariamente esperado, a empresa decide – sem qualquer prévia comunicação – conceder o prêmio.
Contudo, a irresignação dos contribuintes reside no fato de que, sendo vedado o ajuste expresso ou prévio entre as partes, a criação de um programa de premiação – que pressupõe a superação do desempenho ordinariamente esperado – é ineficaz.
Não é por outro motivo que existem algumas proposições legislativas almejando alterar a redação da norma que trata do prêmio, e, consequentemente, refutar a interpretação do Fisco a respeito do tema, tal como aquela descrita no parecer da Medida Provisória nº 1.045/2021 (que trata do Programa da Carteira Verde e Amarela):
“Art. 457-A. São válidos os prêmios de que tratam os §§ 2º e 4º do art. 457 desta Consolidação e a alínea “z” do § 9º do art. 28 da Lei nº 8.212, de 1991, independentemente da forma de seu pagamento e do meio utilizado para a sua fixação, inclusive por ato unilateral do empregador, por ajuste deste com o empregado ou grupo de empregados, bem como por norma coletiva, inclusive quando pagos por fundações e associações, desde que sejam observados os seguintes requisitos: (...).”
Sem prejuízo do desejo pela aprovação da proposta legislativa, entendemos existir um meio de atender ao requisito da liberalidade sem afrontar a interpretação dada pelo Fisco.
Isso porque, a restrição do Fisco quanto à divulgação da campanha de premiação diz respeito exclusivamente ao valor das metas que serão consideradas para o eventual pagamento do prêmio, não se aplicando à divulgação da campanha de premiação em si.
A explicação é a de que, ao divulgar previamente o que se espera de um trabalhador, aquilo passa a ser o ordinariamente esperado. A divulgação prévia de metas é ferramenta indispensável à concessão de PLR (Participação nos Lucros ou Resultados) ou bônus, cujo tratamento legal não se compara àquele aplicável aos prêmios.
A título exemplificativo, nos parece totalmente válido que uma empresa divulgue que no ano de 2021 lançará uma campanha de premiação de fim de ano, para prestigiar os trabalhadores com performance superior àquela ordinariamente esperada (a premissa é a de que os trabalhadores sabem o que deles é ordinariamente esperado), que poderá resultar na concessão de prêmios em dinheiro, bens ou serviços. O efeito “surpresa” será atendido, sem deixar de oferecer uma mínima expectativa de recebimento do prêmio pelo trabalhador.
No entanto, a validade desse modelo e o acolhimento de uma ou outra interpretação acerca dos requisitos legais para o pagamento do prêmio dependerão de uma alteração legislativa ou posicionamento jurisprudencial a respeito da matéria, o que esperamos que ocorra em breve. Até lá, a empresa que decidir conceder prêmios sem o recolhimento de encargos trabalhistas e previdenciários deve estar ciente dos riscos envolvidos (especialmente por conta do justo preconceito do Fisco com a matéria).