O ano de 2026 se aproxima e, com ele, teremos a entrada em vigor da legislação que vai mudar a forma como lidamos com o gerenciamento, apuração e pagamento de tributos.
Uma revolução. Cinco tributos – PIS, COFINS, ISS, ICMS e IPI – serão substituídos por: IVA (Imposto sobre Valor Agregado); CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) e IS (Imposto Seletivo).
A reforma foi aprovada em 16 de janeiro de 2025 pela Lei Complementar nº 214/25 e entra em vigor em janeiro de 2026.
Não é uma reforma como se esperava, após décadas de discussões e expectativas. Trata-se, na verdade, de uma minirreforma, já que não tratou da legislação do IRPJ, IRPF e, principalmente, da Previdência Social.
São 544 artigos, onde, ao que parece, tudo foi pensado e definido para simplificar as operações e reduzir os questionamentos e litígios tributários tão enraizados no Brasil.
Torço para que dê certo, embora não acredite que escaparemos de questionamentos legais. Sem contar que, ao que tudo indica, alguns setores terão aumento de carga tributária, como o setor de serviços.
Mesmo incompleta, essa legislação tem gerado acaloradas discussões. Artigos, palestras, vídeos, podcasts, etc., são disponibilizados diariamente.
Lendo, ouvindo e acompanhando tudo isso, sinto falta de esclarecimentos sobre como, na prática, funcionarão os processos de apuração e recolhimento do IVA e da CBS para aquelas empresas – poucas, é verdade – que operam no regime denominado de “por conta e ordem”.
Temos dois casos clássicos: agências de turismo/viagens e agências de propaganda.
Para não cansar o leitor, tratarei apenas das agências de propaganda, setor sobre o qual tenho razoável conhecimento, adquirido nos meus mais de 30 anos como sócio e responsável pelas áreas financeira, contábil e tributária de uma agência.
Para que haja bom entendimento sobre minhas dúvidas, esclareço, sucintamente, como funciona o setor:
As agências de propaganda operam por conta e ordem, conforme a Lei 4.680/1965, regulamentada pelo Decreto 57.690/66 de 1º de fevereiro de 1966.
Em linhas gerais, uma agência é responsável, entre outras obrigações, pela gestão dos investimentos publicitários do cliente/anunciante. Essa responsabilidade se estende inclusive aos pagamentos a terceiros, assim que o cliente/anunciante quita a fatura emitida pela agência.
Na prática, a agência contrata os veículos de comunicação – emissoras de TV, rádios, jornais – e os fornecedores de produção – vídeos, filmes, spots de rádio, artistas, etc. e as plataformas digitais, entre outros – sempre por conta e ordem do cliente. Operacionalmente, esses contratados por conta e ordem emitem suas faturas no CNPJ do cliente/anunciante e as encaminham para a agência.
A agência, de posse dessas faturas, emite a sua fatura com os honorários acordados e inclui no valor da sua fatura todas as faturas emitidas por esses contratados por conta e ordem.
Os honorários/remuneração de uma agência, de acordo com as normas em vigor, ficam em torno de 15 a 20% dos valores investidos pelo cliente/anunciante.
Portanto, a fatura emitida pela agência contra seu cliente incorporará sua remuneração, receita própria, e os valores desses terceiros.
Em uma fatura, por exemplo, de R$ 1 milhão, apenas cerca de R$ 200 mil são receitas próprias, e R$ 800 mil são valores que serão repassados a esses terceiros que emitiram suas faturas no CNPJ do cliente/anunciante.
É sobre esses supostos R$ 200 mil, sua receita própria, que a agência recolhe seus tributos.
Contabilmente, do total da fatura, apenas a receita própria de R$ 200 mil transita pela conta de resultados (DRE). Os outros R$ 800 mil são lançados nas contas do Ativo e Passivo Circulantes.
Esse modus operandi, e, principalmente, o que é receita própria da agência, está consolidado e reforçado por ampla legislação federal no que se refere ao cálculo do IRPJ, CSLL, Lucro Presumido, Simples Nacional, PIS/COFINS, retenção de tributos, etc. Na legislação do ISS também. Em todos os municípios brasileiros, paga-se o ISS sobre as receitas próprias, não sobre o total da fatura.
Essa nova lei não é diferente. Ficou claro que a base de cálculo para incidência de IVA/CBS será a receita própria, não o total da fatura. É o que diz o Artigo 12 e parágrafos da Lei Complementar nº 214/25:
- 2º Não integram a base de cálculo do IBS e da CBS:
IV - os reembolsos ou ressarcimentos recebidos por valores pagos relativos a operações por conta e ordem ou em nome de terceiros, desde que a documentação fiscal relativa a essas operações seja emitida em nome do terceiro;
Embora não haja dúvidas sobre a redação desse item IV, que deixa claro que o imposto ou contribuição incidirá sempre sobre a receita própria, entendo que um setor como o da propaganda, tão representativo economicamente, merecia um artigo exclusivo na lei, como foi feito para as agências de turismo:
Art. 289. Na intermediação de serviços turísticos realizada por agências de turismo:
I - a base de cálculo do IBS e da CBS é o valor da operação, deduzidos os valores repassados para os fornecedores intermediados pela agência com base no documento que subsidia a operação de agenciamento;
A Federação Nacional das Agências de Propaganda (Fenapro) já está em tratativas com os órgãos da Receita Federal, pleiteando destaque semelhante.
Esclarecido tudo isso, vamos ao objetivo deste artigo: como apurar e recolher o IVA/CBS nos casos de operação por conta e ordem?
Serão três momentos. Em cada um deles já coloco minhas dúvidas sobre a operacionalidade.
Primeiro momento:
Emissão da fatura pela agência, incorporando os valores de terceiros.
No exemplo citado, apenas R$ 200 mil são receitas próprias e R$ 800 mil receitas de terceiros.
Dúvidas: Como o sistema operacional de TI entenderá que desse R$ 1 milhão, apenas R$ 200 mil serão base de cálculo para o tributo? Admitindo que seja um IVA/CBS de 26%, terá que aparecer no corpo da fatura apenas R$ 52 mil como tributo devido, antes dos possíveis créditos.
Segundo momento:
Cliente/anunciante pagando a fatura de R$ 1 milhão à agência.
Dúvidas: Se, como diz a lei, o pagador será o responsável pela “retenção” e recolhimento do tributo, de quais CNPJs o cliente/anunciante fará a retenção? Do CNPJ da agência, com certeza, porém apenas sobre as receitas próprias, não sobre o total da fatura. Mas e sobre os outros CNPJs dos terceiros que emitiram as faturas em nome desse cliente/anunciante e que estão incorporados na fatura da agência? Como reter, se nesse momento o cliente está apenas enviando os valores para a agência, que por conta e ordem pagará esses terceiros?
Terceiro momento:
A agência recebe do seu cliente o valor total da fatura de R$ 1 milhão.
Fica com seus R$ 200 mil, receita própria, e providencia o pagamento dos outros R$ 800 mil aos terceiros constantes no Passivo Circulante.
Dúvidas: Se a agência está pagando esses valores por conta e ordem, como reter o tributo, se as faturas desses terceiros não foram emitidas em seu CNPJ, mas sim no CNPJ do cliente?
Operacionalmente, acho muito difícil desatar esse nó.
Isso só será possível depois que a Receita Federal, através do Comitê Gestor ou outro órgão responsável, normatizar essa excepcionalidade, fazendo as alterações necessárias no sistema de apuração dos tributos.
A participação das entidades do setor, especialmente da Fenapro, junto aos órgãos responsáveis será de vital importância, sabendo-se que estamos há poucos meses do início desse novo formato de apuração e pagamento dos tributos. A Fenapro já tem uma participação ativa nesses órgãos, o que foi reforçado desde o início das discussões sobre a reforma. Isso torna mais fácil a interlocução e a solução.
Antônio Lino Pinto
Sócio da Viramundo Consultoria em Gestão