O Projeto de Lei 1087/2025 (PL 1087/25) propõe uma reformulação da tributação do Imposto de Renda (IR) das pessoas físicas com a concessão de isenção total a quem recebe até R$ 5 mil mensais e desconto regressivo até R$ 7 mil. Para custear a renúncia fiscal, o projeto cria o Imposto de Renda da Pessoa Física Mínimo (IRPFM), que se manifesta em duas frentes: (i) cobrança mensal na distribuição de lucros e dividendos acima de R$ 50 mil/mês por empresa, à alíquota de 10 %, e (ii) um imposto anual mínimo para quem recebe rendimentos totais superiores a R$ 600 mil por ano, com alíquotas progressivas até 10 %. Esta seção aprofunda a leitura do texto oficial do projeto e analisa como a tributação dos dividendos pode afetar a vida das empresas.
Principais dispositivos do PL 1087/25 relativos a dividendos
Retenção de IRPFM nos dividendos
O artigo 6º-A introduz a tributação mensal de altas rendas. A partir de janeiro de 2026, quando uma empresa pagar, creditar ou entregar lucros ou dividendos a uma mesma pessoa física residente no Brasil em valor superior a R$ 50 mil no mesmo mês, deverá reter, na fonte, 10 % sobre o total pago a título de IRPFM, sem qualquer dedução. Caso ocorram vários pagamentos no mês, a empresa deve recalcular a retenção considerando o total pago.
O dispositivo não se aplica a pagamentos a outras empresas, mas atinge sócios e acionistas pessoas físicas. A base de cálculo não admite deduções e, ao contrário de imposto progressivo, a alíquota de 10 % é aplicada sobre o valor integral dos dividendos acima de R$ 50 mil/mês. O texto oficial não prevê correção monetária desse limite.
Regra de transição (lucros até 2025)
O substitutivo aprovado na comissão especial (PL 1087-A) incluiu um parágrafo de transição que mantém a isenção para lucros ou dividendos referentes a resultados apurados até o ano-calendário de 2025, desde que a distribuição seja aprovada até 31 de dezembro de 2025 e o pagamento ocorra nos termos originalmente aprovados. Portanto, empresas que aprovem a distribuição de lucros de 2025 até o final desse ano poderão pagar esses dividendos nos anos seguintes sem o IRPFM, desde que respeitem as datas fixadas na assembleia/aprovação.
Imposto anual mínimo para altas rendas (Art. 16-A)
A partir de 2027 (ano-calendário de 2026), pessoas físicas cuja soma de rendimentos exceda R$ 600 mil anuais estarão sujeitas ao IRPFM anual. A alíquota é:
- 10 % para rendimentos iguais ou superiores a R$ 1,2 milhão.
- Para rendimentos entre R$ 600 mil e R$ 1,2 milhão, a taxa cresce linearmente segundo a fórmula:alíquota (%) = (REND / 60 000) – 10, onde REND é a renda anual calculada. Assim, a alíquota cresce de 0 % (R$ 600 mil) até 10 % (R$ 1,2 milhão).
O cálculo inclui praticamente todos os rendimentos (salários, alugueis, dividendos, rendimentos isentos etc.), com exclusões para ganhos de capital em bolsa (que já são tributados), rendimentos recebidos acumuladamente quando o contribuinte não opta pelo ajuste anual e valores de doações ou herança. A base de cálculo do IRPFM anual permite deduzir rendimentos de poupança, indenizações por danos materiais ou morais (exceto lucros cessantes) e rendimentos de títulos isentos (exceto ações e participações societárias), além de deduzir o IR normalmente devido e o imposto retido na fonte.
Mecanismo de redutor para limitar a carga total
Para evitar que a soma do IR das empresas (IRPJ + CSLL) e do IRPFM supere a carga nominal, o artigo 16-B institui um redutor do IRPFM quando a alíquota efetiva sobre os lucros da empresa somada à alíquota efetiva do IRPFM exceder a soma das alíquotas nominais (34 % para a maioria das empresas, 40 % para seguradoras e 45 % para instituições financeiras). Se, por exemplo, uma companhia já teve lucro tributado com carga efetiva de 34 %, não haverá IRPFM adicional; se a carga for inferior a 34 %, o IRPFM será calculado até atingir esse patamar. O redutor considera o lucro contábil e exige demonstrações financeiras auditadas. Empresas fora do lucro real podem optar por apuração simplificada do lucro contábil deduzindo despesas de salários, compras, aluguéis, juros e depreciação.
Dividendos pagos a não residentes
O projeto altera a Lei 9.249/1995 para instituir que lucros ou dividendos enviados ao exterior estarão sujeitos à retenção de IR na fonte à alíquota de 10 %. Caso a soma da carga efetiva na empresa e do tributo de 10 % exceda as alíquotas nominais (34 %, 40 % ou 45 %), o beneficiário residente no exterior poderá solicitar crédito ou restituição.
Análise dos impactos para as empresas
Pressão por antecipação de dividendos e reorganização societária
- Distribuição acelerada de lucros de 2025: Como o parágrafo de transição mantém a isenção apenas para lucros de 2025 cujas distribuições forem aprovadas até 31 de dezembro de 2025, muitas empresas podem antecipar assembleias e aprovar distribuição extraordinária de resultados antes dessa data. Isso permite que tais lucros sejam pagos sem IRPFM mesmo após 2026, desde que respeitado o cronograma aprovado. Essa corrida à distribuição tende a reduzir a base de lucros futuros e pressionar o fluxo de caixa das empresas no curto prazo.
- Fragmentação de participações: O limite de R$ 50 mil se aplica por empresa e por beneficiário. Sócios de várias empresas poderiam receber R$ 49 999/mês de cada uma sem retenção. Tal desenho favorece reorganizações societárias com pulverização de participações em diferentes CNPJs para manter dividendos dentro do limite individual. Apesar de legal, essa estratégia pode aumentar custos administrativos e atrair fiscalizações.
- Preferência por juros sobre capital próprio (JCP) ou pró-labore: Como o JCP (reintroduzido pela Lei 14.789/2023) permite dedução no IRPJ e é tributado na pessoa física à alíquota de 15 % (ou 20 % quando o investidor reside fora do país), empresas podem intensificar o uso desse mecanismo, reduzindo a distribuição de dividendos sujeitos à nova alíquota de 10 %. Entretanto, o JCP tem limite calculado sobre o patrimônio líquido e a taxa de juros de longo prazo (TJLP), o que limita sua utilização. Além disso, aumentar o pró-labore dos sócios pode ser uma alternativa para transformar dividendos em rendimento tributável progressivamente (27,5 %), mas com direito a deduções de INSS e Previdência; a viabilidade depende do regime tributário.
Aumento do custo de capital e efeitos sobre investimentos
- Elevação da carga total sobre lucros: O Brasil já possui uma das maiores cargas tributárias sobre o lucro corporativo. De acordo com o jornal Gazeta do Povo, especialistas calculam que a combinação de IRPJ (25 %) e CSLL (9 %) resulta em 34 % de imposto sobre o lucro. Com a retenção de 10 % nos dividendos, o encargo marginal pode atingir 40,6 % para empresas regidas pelo lucro real. Ainda que o redutor limite o total a 34 %, o IRPFM poderá incidir nas empresas que têm incentivos fiscais ou regimes especiais reduzindo o IRPJ/CSLL, como as do Simples Nacional ou do lucro presumido, pois nesses casos a alíquota efetiva do IRPJ/CSLL pode ficar abaixo de 34 %. Essas empresas teriam de pagar o IRPFM até atingir o piso de 34 %, gerando aumento significativo da carga tributária.
- Queda na distribuição de dividendos e retenção de lucros: Com dividendos mais onerosos, empresas podem preferir reter lucros para reinvestir ou capitalizar, reduzindo o pagamento a sócios. Essa postura pode restringir o fluxo de caixa dos sócios, afetando microempreendedores e familiares que dependem do lucro distribuído para seu sustento. Também pode adiar projetos de investimento de sócios em outros negócios, impactando a economia.
- Custo de capital e efeito nos mercados: O custo do capital próprio pode subir, pois investidores exigirão remuneração maior para compensar a nova tributação. Isso pode desestimular o investimento em ações de empresas que pagam dividendos elevados e favorecer companhias que reinvestem lucros. Escritórios de advocacia como Mattos Filho destacam que a tributação, embora acompanhada de um redutor, altera a relação entre lucro real e distribuição ao acionista e deve ser analisada de forma sistêmica ao longo da cadeia societária.
Impacto para micro e pequenas empresas
- Regimes simplificados podem ser penalizados: Empresas do Simples Nacional ou do lucro presumido já pagam carga efetiva menor que 34 %. Com o IRPFM, parte dos dividendos distribuídos acima de R$ 50 mil/mês poderia ser tributada até se atingir a alíquota combinada de 34 %. Isso elimina a vantagem competitiva que esses regimes conferiam aos sócios e pode levar microempreendedores a reconsiderar o enquadramento. A Confederação Nacional do Comércio (CNC) alertou que a tributação de 10 % sobre dividendos sem correção monetária “pode penalizar os pequenos negócios e reduzir a competitividade do país”.
- Reorganização societária e distribuição mensal: Pequenas empresas familiares que geram lucros eventualmente superiores a R$ 600 mil anuais podem fracionar a distribuição em parcelas mensais menores de R$ 50 mil, para evitar a retenção. No entanto, esse artifício pode não ser sustentável se a renda anual do sócio ultrapassar R$ 600 mil, pois o IRPFM anual recuperará a tributação.
- Foco em planejamento tributário: Contadores e advogados aconselham empresas a calcular a rentabilidade de distribuir dividendos versus pagar pró-labore ou JCP e a antecipar a distribuição de lucros de 2025. O escritório Trench Rossi Watanabe destaca que, após a apuração anual, o contribuinte poderá deduzir o IR já pago e solicitar restituição caso o imposto retido exceda o limite permitido pelo redutor. Essa complexidade exige planejamento para não sofrer bitributação.
Consequências setoriais e competitivas
- Setor financeiro e segurador: Para bancos, seguradoras e instituições financeiras, a soma das alíquotas nominais (IRPJ + CSLL) utilizada no redutor sobe para 45 %, resultando em maior proteção contra o IRPFM. Muitas dessas instituições já recolhem impostos nessa faixa, então a incidência extra poderá ser pequena. Porém, para fintechs enquadradas no lucro presumido, a alíquota efetiva pode ficar abaixo de 45 %; nesse caso, o IRPFM será devido até alcançar o limite.
- Companhias de capital aberto: Empresas listadas em bolsa tendem a ter um grande número de acionistas pessoa física. A obrigatoriedade de reter 10 % para sócios com dividendos mensais acima de R$ 50 mil introduz custos operacionais adicionais e pode gerar reclamações de investidores de varejo com grandes posições. Além disso, a transição das regras pode acarretar volatilidade no mercado, pois parte dos investidores pode vender ações antes da vigência da lei para evitar a nova tributação.
- Concorrência internacional: A isenção de dividendos no Brasil sempre serviu de contrapartida ao IRPJ elevado (34 %). Organismos como a Fiep (Federação das Indústrias do Paraná) apontam que a taxa total de 40,6 % tornaria o Brasil um dos países com maior carga sobre lucros e dividendos. Isso pode tornar o país menos atraente para investimentos estrangeiros e estimular a migração de holdings para jurisdições com tributação mais moderada. O governo argumenta que o redutor evita uma tributação excessiva e que a nova cobrança atinge principalmente altos rendimentos; no entanto, a eficácia desse mecanismo dependerá de regulamentação e fiscalização.
Pontos positivos e controvérsias
Argumentos favoráveis
- Equidade tributária: A isenção de dividendos criava distorções, pois executivos e sócios de empresas podiam receber toda a sua renda na forma de dividendos e pagar pouco ou nenhum IRPF, enquanto trabalhadores assalariados pagavam alíquotas de até 27,5 %. A tributação mínima visa reduzir essa desigualdade e gerar receita para financiar a ampliação da faixa de isenção do IRPF.
- Alinhamento internacional: A maioria dos países tributa dividendos. A proposta aproxima o Brasil de práticas internacionais, sobretudo após a Lei 14.789/2023 que revogou o JCP como dedução obrigatória. A tributação moderada de 10 % é, em tese, menos onerosa que a alíquota de 15 % proposta em 2021 (PL 2337/21), rejeitada pelo Congresso.
- Proteção a micro e pequenos investidores: O limite de R$ 50 mil/mês foi pensado para excluir a maioria dos pequenos investidores de bolsa e sócios de microempresas; o governo estima que cerca de 141 mil contribuintes de alta renda seriam afetados, representando menos de 1 % dos declarantes.
Críticas
- Complexidade e insegurança jurídica: A criação do IRPFM e o redutor aumentam a complexidade do sistema, exigindo apuração mensal, anual e cálculo de alíquotas efetivas. Escritórios de advocacia alertam que será necessário analisar cada cadeia societária para verificar a soma das cargas, o que pode elevar custos de conformidade e gerar disputas com o fisco.
- Risco para pequenas empresas: Entidades como a CNC e Fenacon afirmam que a tributação dos dividendos pode penalizar micro e pequenas empresas que hoje usufruem do lucro presumido ou do Simples. A ausência de correção monetária do limite de R$ 50 mil pode, ao longo do tempo, incluir mais contribuintes.
- Efeito sobre investimentos e distribuição: Muitos investidores compraram ações de empresas brasileiras pela elevada política de dividendos. A nova tributação pode reduzir a atratividade desses papéis, pressionar o valor das ações e incentivar empresas a reter mais lucros. Além disso, empresas familiares podem ser levadas a reorganizações societárias artificiais apenas para se adequar à nova regra, o que não gera valor econômico real.
Considerações finais e recomendações para empresários
O PL 1087/25 ainda está em tramitação no Congresso; portanto, alterações são possíveis. Contudo, os principais pilares — taxação de dividendos acima de R$ 50 mil/mês, imposto anual mínimo para rendas superiores a R$ 600 mil, redutor para limitar a carga total e transição para lucros de 2025 — sinalizam uma mudança estrutural na forma de remuneração dos sócios. Diante desse cenário:
- Antecipe a distribuição de lucros de 2025: Realize assembleias até dezembro de 2025 para aprovar a distribuição dos lucros de 2025. Registre explicitamente o cronograma de pagamento, pois somente os dividendos aprovados até essa data e pagos conforme os termos aprovados permanecerão isentos.
- Reavalie o regime tributário: Compare a alíquota efetiva de IRPJ/CSLL do lucro real com a do lucro presumido ou Simples. Se a empresa tiver incentivos que reduzam a carga efetiva abaixo de 34 %, os sócios podem pagar IRPFM adicional. Em alguns casos, optar pelo lucro real ou migrar de regime pode ser mais vantajoso.
- Planeje o fluxo de caixa e a forma de remuneração: Calcule o impacto do novo imposto na capacidade de distribuição. Verifique se compensa manter pró-labore maior, usar JCP (quando possível) ou remunerar os sócios via prestação de serviços ou aluguéis. Avalie também a necessidade de capitalização para financiar investimentos, já que a retenção de lucros pode ganhar relevância.
- Acompanhe a regulamentação e a eventual correção do limite: O projeto delega ao Poder Executivo a regulamentação do cálculo do redutor e dos procedimentos de restituição. Fique atento à publicação de normas complementares e à eventual correção monetária do limite de R$ 50 mil/mês.
- Busque assessoria especializada: Dada a complexidade das regras, é recomendável que empresários e contadores consultem especialistas em planejamento tributário e societário para analisar cada caso. O IRPFM envolve diversas deduções, critérios de cálculo e obrigações acessórias que podem ser otimizadas conforme a estrutura de cada empresa.
Em síntese, a tributação de dividendos prevista no PL 1087/25 procura tornar o sistema mais progressivo, mas introduz desafios para a gestão financeira das empresas e para o ambiente de negócios. A antecipação de lucros de 2025, a escolha do regime tributário e o planejamento da forma de remuneração dos sócios serão determinantes para mitigar o impacto dessa nova legislação.