Publicada em 11 de junho de 2025, a Medida Provisória nº 1.303/2025 tinha como propósito unificar e modernizar a tributação das aplicações financeiras e dos ativos virtuais, incluindo as criptomoedas.
O texto previa:
- A extinção da isenção de R$ 35 mil/mês sobre ganhos líquidos com criptoativos;
- A criação de uma alíquota única de 17,5% sobre rendimentos em ativos digitais e fundos de investimento;
- Novas regras para compensação de prejuízos e reorganização de fundos fechados;
- E a equiparação de operações com criptoativos a aplicações financeiras tradicionais, ampliando a base de incidência do Imposto de Renda.
Essas alterações, contudo, não chegaram a ser apreciadas pelo Congresso Nacional dentro do prazo constitucional, e a MP foi retirada de pauta em 8 de outubro de 2025, conforme registro oficial da Câmara dos Deputados (Notícia nº 1209479).
O desfecho legislativo: MP retirada e perda de validade
Com 251 votos favoráveis e 193 contrários, o Plenário da Câmara aprovou requerimento para retirada da MP 1303/2025 de pauta.A decisão tem um efeito jurídico direto: a MP caduca e perde validade à meia-noite do dia da retirada, conforme o art. 62 da Constituição Federal.
Em termos práticos, isso significa que:
- Nenhuma das novas regras propostas entra em vigor;
- As normas anteriores continuam valendo integralmente;
- E qualquer tentativa de reintroduzir a matéria exigirá nova proposição legislativa — seja outra MP, seja um Projeto de Lei.
Regime anterior permanece vigente
Com a queda da MP 1303, retoma-se o status quo ante. Ou seja: voltam a valer as regras tradicionais de tributação dos investimentos financeiros e das operações com criptoativos.
Tipo de investimento |
Regra atual (mantida) |
Base legal |
---|---|---|
Fundos de ações |
IR de 15% sobre o ganho líquido |
Art. 2º, § 4º, Lei 11.033/2004 |
Day trade |
IR de 20% |
Art. 2º, § 2º, Lei 11.033/2004 |
Renda fixa e multimercados |
IR regressivo de 22,5% a 15%, conforme prazo da aplicação |
Art. 1º, Lei 11.033/2004 |
Criptoativos (PF) |
Isenção até R$ 35 mil/mês em alienações; IR de 15% a 22,5% sobre o ganho líquido acima desse limite |
Art. 22, § 2º, da Instrução Normativa RFB 1.585/2015 e Art. 3º, § 4º, da Lei 7.713/88 |
Ou seja, permanece a isenção mensal de R$ 35 mil em vendas de criptoativos, desde que o total de alienações no mês não ultrapasse esse montante.
O contador deve, portanto, orientar o contribuinte a segregar operações e manter documentação comprobatória, sobretudo quando há conversões parciais, swaps e transferências entre carteiras.
Impactos contábeis e fiscais para o profissional de contabilidade
- Manutenção do regime atual de apuração de ganho de capital
Os ganhos em cripto continuam sendo apurados conforme o regime de ganho de capital, e não de “aplicação financeira”.
Isso implica:
- Cálculo individual por operação;
- Base de custo histórico ajustado em reais;
- Controle via GCAP (Programa de Apuração de Ganhos de Capital), integrado à declaração de IRPF.
- Não incidência automática de IR sobre staking, airdrops e recompensas
Como a MP previa tributar essas atividades como “rendimentos de aplicações financeiras”, sua caducidade afasta, por ora, essa equiparação.Esses rendimentos seguem passíveis de tributação como rendas eventuais, caso convertidos em moeda fiduciária, mas sem retenção automática.
- Orientação ao investidor sobre escrituração
Com a continuidade das regras anteriores, o contador deve manter foco na regularidade documental:
- Registro de cada compra e venda com data, quantidade, valor em reais e corretora;
- Controle de custos médios para cálculo do ganho líquido;
- E declaração de posse de ativos no quadro de “Bens e Direitos”, grupo 08 da DIRPF.
- Empresas com exposição a criptoativos
Para pessoas jurídicas, nada muda no regime de apuração do IRPJ e CSLL:
- Lucros e perdas são reconhecidos contabilmente pelo valor justo (CPC 46);
- Ganhos só são tributáveis quando realizados;
- E, no Lucro Real, é possível compensar perdas, observando o princípio da competência.
Análise estratégica: o que essa decisão revela
A derrubada da MP 1303 não foi apenas uma questão técnica — foi um sinal político.Ela mostrou resistência do Congresso em aprovar novas fontes de arrecadação em meio a um cenário de reformas simultâneas (tributária e administrativa).
Para o contador consultivo, isso traz três mensagens-chave:
- A volatilidade normativa exige leitura proativa do cenário fiscal.Nenhuma decisão de planejamento tributário pode se basear apenas em medidas provisórias.
- A contabilidade precisa ser preventiva, não reativa.Quem acompanha clientes com investimentos em cripto, fundos, FIIs e offshores deve estruturar planilhas de controle fiscal e relatórios de variação patrimonial mensais, preparando o terreno para mudanças legislativas futuras.
- O contador consultor ganha protagonismo.
A fronteira entre finanças pessoais, investimentos e tributação está cada vez mais tênue.O contador que compreende tanto a legislação fiscal quanto o mercado de ativos digitais torna-se peça-chave para empresas e investidores que buscam eficiência tributária com segurança jurídica.
Conclusão
A MP 1303/2025 caiu, e com ela caiu também a tentativa do governo de tributar de forma uniforme os investimentos e as criptomoedas.Mas a discussão está longe de terminar — é provável que o tema retorne ao Congresso em 2026 sob forma de projeto de lei.
Enquanto isso, as regras anteriores permanecem plenamente válidas, e cabe ao profissional da contabilidade:
- Orientar corretamente seus clientes;
- Documentar operações com clareza;
- E preparar-se para o novo ciclo de reformas fiscais que certamente virá.