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ARTIGO TRABALHISTA

Recreio não é tempo de trabalho: quando o TST vira legislador e a conta chega para todos

Entendimento pode elevar custos operacionais, impactar mensalidades e gerar novos passivos trabalhistas no ensino privado.

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Recreio não é tempo de trabalho: quando o TST vira legislador e a conta chega para todos

Recreio não é tempo de trabalho: quando o TST vira legislador e a conta chega para todos

No Brasil, até o recreio virou litígio. O Tribunal Superior do Trabalho (TST) tem reiterado o entendimento de que o intervalo de 15 minutos entre as aulas — o famoso recreio — é “tempo à disposição” do empregador, devendo ser remunerado como hora de trabalho. À primeira vista, parece uma proteção a mais ao professor. Mas, na prática, é um equívoco jurídico que ignora a CLT, a Constituição e até a lógica econômica elementar.

A questão chegou ao Supremo Tribunal Federal (STF) na ADPF 1058, proposta pela Associação Brasileira das Mantenedoras de Faculdades (ABRAFI), com apoio da ANUP, que representa centenas de universidades particulares. O argumento central é simples: o TST criou, sem lei que o autorize, uma presunção absoluta de que o recreio é tempo de trabalho — o que viola o princípio da legalidade (art. 5º, II, CF) e a separação de poderes (art. 2º CF).

A CLT é cristalina: o art. 71, § 2º diz que intervalos para descanso e alimentação não se computam na jornada, salvo quando o legislador expressamente o determinar. Já o art. 4º, § 2º, afirma que o tempo que o empregado permanece nas dependências do empregador por escolha própria, para descanso, lazer ou estudo, não é tempo à disposição.

O TST, porém, decidiu reescrever a lei: passou a tratar toda pausa como trabalho, invertendo o ônus da prova e transformando exceção em regra. Resultado? Uma condenação automática e linear, sem analisar se o professor realmente trabalhou durante o recreio. É a negação da casuística e da primazia da realidade — pilares do Direito do Trabalho — e a instauração de uma jurisprudência genérica, de efeito sistêmico e custo bilionário.

Quando o Judiciário resolve “legislar”

O problema não é novo. Em 2016, o STF, ao julgar a ADPF 323, já advertira que o TST não pode criar obrigações onde a lei silencia. O art. 8º, § 2º, da CLT, reforça isso: “É vedado editar súmulas ou enunciados que criem obrigações não previstas em lei.”

Mas o que se vê é o oposto: decisões que, sob o pretexto de “interpretar”, acabam legislando. Ao afirmar que o recreio é tempo à disposição, o TST não apenas alterou o sentido da norma, mas criou uma nova categoria jurídica — a “pausa remunerada por presunção”.

E quando o Judiciário cria direitos sem base legal, a conta chega. E chega rápido.

A conta que recai sobre alunos, professores e o país

O Estudo Pastore, juntado aos autos da ADPF 1058, quantifica os efeitos: apenas no ensino superior privado, o custo adicional é de R$ 2,4 bilhões por ano. Se o entendimento se expandir para outros níveis de ensino, o impacto chega a R$ 5,7 bilhões anuais.

Traduzindo em linguagem contábil: trata-se de uma despesa nova, não orçada, que afeta diretamente o custo operacional das instituições — e, portanto, o preço das mensalidades. O mesmo estudo projeta aumento médio de 4% nas mensalidades e evasão de 128 mil alunos, especialmente nas classes C e D.

E não para por aí. A análise estima um impacto inflacionário de até 0,2 ponto percentual no IPCA, retração de investimentos em infraestrutura e adoção forçada do ensino à distância como forma de contenção de custos. O efeito dominó atinge também a arrecadação tributária, já que menos matrículas significam menos empregos e menos tributos.

Entre o populismo jurídico e a racionalidade econômica

Defender o descanso do professor é legítimo — e necessário. Mas o descanso não é trabalho, e remunerá-lo como tal é confundir garantias com benesses. É transformar uma pausa pedagógica em passivo judicial, sem ganho social efetivo.

O direito do trabalho, quando bem aplicado, protege o trabalhador sem inviabilizar o empregador. Quando mal interpretado, destrói o próprio emprego que pretende defender. A ADPF 1058 expõe esse dilema com clareza: ou o STF reafirma o princípio da legalidade e da reserva legal, ou continuaremos a viver sob o risco de que cada decisão “criativa” da Justiça do Trabalho se transforme em nova obrigação tributária disfarçada de direito trabalhista.

Um recado necessário

O recado é simples: não cabe ao Judiciário criar despesa onde o legislador não criou. Intervalos são pausas; não são labor. Recreio é descanso; não é tempo à disposição. A Constituição reserva ao Congresso o poder de legislar sobre jornada e trabalho. O resto é ativismo, e ativismo, como se sabe, é a forma mais sutil — e mais cara — de insegurança jurídica.

O STF agora tem a oportunidade de recolocar as coisas no lugar: devolver ao Direito do Trabalho o que ele tem de mais valioso — a sua base legal, a sua racionalidade e o seu equilíbrio.

E, quem sabe, permitir que o recreio volte a ser o que sempre foi: um breve intervalo de paz, e não mais um capítulo de contencioso trabalhista.

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