2026 tem tudo para ser um ano de virada nas relações de trabalho no Brasil. Depois de um 2025 cheio de decisões polêmicas, debates acalorados e mudanças em discussão no Congresso e no Supremo, o próximo ano tende a ser o momento em que muitas dessas pautas saem do campo das ideias e começam a mexer de fato com a vida de quem trabalha e de quem emprega. Em jogo estão a duração da jornada semanal, novos formatos de licença para cuidar da família, regras específicas para o trabalho por aplicativo, limites da pejotização e uma postura mais dura contra situações de trabalho degradante.
Um dos temas que mais deve aparecer no noticiário é a discussão sobre jornada de trabalho. Há projetos importantes em andamento para reduzir o tempo máximo de trabalho por semana, seja por meio de leis infraconstitucionais, seja por meio de mudança na própria Constituição. Fala-se em reduzir de quarenta e quatro para quarenta horas semanais e, em algumas propostas mais ambiciosas, em caminhar para trinta e seis horas, distribuídas em quatro dias de trabalho e três de descanso. A ideia é simples de entender: se a produtividade subiu e a tecnologia permite fazer mais em menos tempo, faz sentido seguir exigindo jornadas tão longas? Os defensores da mudança falam em mais saúde, mais tempo de convivência familiar e possibilidade de distribuir melhor o trabalho em um país que ainda convive com desemprego elevado. Já parte do setor empresarial teme aumento de custos, necessidade de contratar mais gente para manter a operação funcionando e perda de competitividade. Em 2026, é razoável esperar pelo menos algum avanço nessa agenda, seja uma redução inicial para quarenta horas, seja a consolidação de dois dias de descanso na semana como padrão mais amplo, deixando a velha escala de seis dias de trabalho e um de folga cada vez mais pressionada.
Outro eixo importante diz respeito à família e ao tempo de cuidado. A licença-paternidade tende a ser ampliada, saindo dos atuais cinco dias para um patamar maior, com aumento gradual ao longo dos anos. Em termos práticos, já em 2026 muitos pais poderão ficar mais tempo em casa nos primeiros dias de vida de seus filhos, compartilhando com a mãe as tarefas de cuidado, e não apenas aparecendo como figura decorativa na maternidade. Há propostas que permitem dividir a licença em dois períodos: uma parte logo após o nascimento e outra um pouco mais adiante, o que ajuda a adaptar a rotina quando a mãe volta ao trabalho. Também ganham força iniciativas para reconhecer e proteger novas configurações familiares, como casais formados por duas mães, garantindo que a mãe não gestante também possa ter tempo de licença para cuidar da criança. Tudo isso aponta para uma mudança de mentalidade: cuidado com filhos deixa de ser visto como responsabilidade exclusiva da mulher e passa a ser tratado como projeto de família, com reflexos obrigatórios na legislação trabalhista.
No terreno do trabalho por aplicativo, 2026 deve ser um ano de definição. Motoristas de transporte individual, entregadores de comida, prestadores de serviços sob demanda e outros profissionais de plataformas digitais hoje vivem em um limbo jurídico: a empresa diz que são autônomos, muitos valorizam a liberdade de horário, mas ao mesmo tempo a renda depende quase totalmente do aplicativo, que controla tarifa, acesso às corridas, avaliações e pode bloquear o trabalhador de uma hora para outra. A tendência é caminhar para um modelo híbrido, em que esses profissionais continuem sendo considerados autônomos, com liberdade de horário e possibilidade de trabalhar para várias plataformas, mas com um piso mínimo de proteção, especialmente na parte previdenciária e na cobertura contra acidentes. No Congresso, discute-se um regime específico para esse tipo de trabalho, e o Supremo Tribunal Federal também está com processos em pauta para definir qual é a natureza jurídica dessa relação. Em 2026, dificilmente escaparemos de alguma resposta mais clara: a legislação e a jurisprudência vão precisar dizer, de forma objetiva, o que esses trabalhadores podem esperar em termos de direitos e quais são os limites de atuação das plataformas.
Ligado a isso, mas com alcance ainda maior, está o debate sobre pejotização. Hoje, milhões de pessoas prestam serviços como pessoa jurídica, muitas vezes em esquema de exclusividade, com rotina diária, vínculo econômico forte com um único contratante e, na prática, pouca autonomia. Há casos em que esse modelo é legítimo, desejado pelas duas partes e condizente com a realidade do trabalho intelectual ou de alta especialização. Em outros, é apenas um arranjo para reduzir custos trabalhistas e previdenciários, transferindo todos os riscos para o indivíduo. O Supremo já reconheceu que precisa dar uma resposta estruturada a esse tema e assumiu o papel de dizer até onde vai a liberdade contratual e a partir de que ponto a contratação como PJ passa a ser fraude à legislação trabalhista. Em 2026, é esperado um julgamento de fundo sobre a matéria. Dependendo da orientação que prevalecer, podemos ver, de um lado, uma espécie de carimbo de validade para muitos modelos hoje praticados, reforçando a ideia de pluralidade de formas de contratação; de outro, um movimento de requalificação de relações para o regime da CLT, com impacto direto na folha de pagamento de diversos setores. Em qualquer cenário, não há neutralidade: uma decisão mais permissiva favorece flexibilidade, mas apresenta risco de precarização e perda de arrecadação; uma decisão mais rígida protege mais o trabalhador, mas aumenta custos imediatos para as empresas e pode desestimular certos arranjos econômicos.
Há ainda um tema que mexe com a consciência coletiva e que deve se manter em evidência: o combate ao trabalho em condições análogas à escravidão. Os últimos anos mostraram que isso não é uma página virada da nossa história. Casos em lavouras, vinícolas, carvoarias, empreendimentos urbanos e até em residências trouxeram à tona histórias de pessoas vivendo sem salário regular, sem folga, em alojamentos indignos, endividadas com o próprio empregador e submetidas a ameaças. Em reação a esses fatos, o governo e órgãos de controle vêm articulando planos nacionais de erradicação, reforço das equipes de fiscalização, integração entre diferentes esferas de atuação e manutenção de instrumentos como o cadastro de empregadores que exploram esse tipo de mão de obra. Para 2026, a tendência é de endurecimento: mais operações conjuntas, mais visibilidade para o tema, eventuais novas fontes de financiamento para a fiscalização e, possivelmente, aperfeiçoamentos legislativos que tornem as punições mais rápidas e efetivas. A mensagem que se busca construir é simples, embora difícil de executar: em um país que se pretende moderno, exploração extrema de trabalhadores não será tolerada.
Juntando todas essas frentes, o quadro de 2026 em matéria de direito do trabalho é desafiador, mas também cheio de oportunidade. Trabalhadores podem ganhar mais tempo livre, mais participação dos pais na rotina dos filhos, algum nível de proteção em relações que antes ficavam totalmente à margem da CLT e maior segurança de que situações degradantes serão enfrentadas com seriedade. Empregadores, por sua vez, precisarão se adaptar a um ambiente regulatório em transformação, rever modelos de contratação, investir mais em planejamento jurídico e em práticas de gestão de pessoas que não se limitem a cumprir a lei no limite mínimo. Há uma tensão permanente entre proteção social e competitividade, mas o fato de o país estar discutindo esses temas abertamente já é um sinal de maturidade institucional.
Para quem observa de fora, 2026 pode parecer apenas mais um ano de leis, projetos, decisões e siglas, mas a verdade é que muito do que está sendo discutido vai bater diretamente na porta da empresa e da casa de cada pessoa. A forma de trabalhar, o tempo disponível para viver fora do trabalho, o tipo de contrato que se assina, a segurança de receber ao menos o básico em caso de doença ou acidente, tudo isso está na pauta. A pergunta, no fundo, é se vamos usar esse momento para construir relações de trabalho mais justas, previsíveis e humanas, ou se vamos apenas trocar rótulos mantendo velhos problemas com nova embalagem.













