A escassez de talentos nas empresas não é uma novidade. Dezenas de estudos e talvez centenas já mediram, quantificaram e qualificaram esse fenômeno que dispensa apresentações. Mas existem variáveis que até então não se vê nos estudos ou mesmo em simples reportagens sobre o tema. Essas variáveis que merecem estudos mais aprofundados talvez sejam uma das verdadeiras responsáveis pelo fenômeno da escassez de talentos nas empresas e no plano inversamente proporcional pelo derrame de novos empreendedores na economia.
É fato que várias que pessoas nas mais variadas faixas etárias pelo sonho da estabilidade financeira, status social e garantia de um futuro melhor, tem buscado ter um negócio próprio. Muitas deixam o emprego e alguns herdam da família o negócio. Há ainda aqueles que perderam o emprego e por isso resolveram tentar algo próprio. Em geral nos estudos, reportagens e artigos que se acham por ai, são essas as variáveis comuns tomadas por base. Completa-se ainda com outras, como a origem social, idade, formação acadêmica, o desapontamento com políticas internas da gestão de recursos humanos e etc.. A sensação de estagnação social e baixa remuneração podem representar também um fator motivador para empreender ao invés de tentar a carreira numa empresa.
Mas observando a legislação trabalhista e fiscal, é possível notar que há muito mais nisso tudo. Talvez a velha e engessada CLT e principalmente a carga tributária direta sobre a renda também colaboram. Para entender, são necessárias algumas comparações com o foco exclusivo no tipo da renda e como ela tributada bem como no crescimento dessa renda ao longo do tempo.
Existem significativas diferenças entre a forma de tributar o salário do empregado e o salário do empregador. O empresário recebe seu salário através de pró-labore e o empregado através de holerite. O trabalhador não tem a opção de escolher como quer receber seu salário, a forma de pagamento, direitos, obrigações, impostos e encargos sociais são irrenunciáveis se tomarmos por base a CLT e o Regulamento da Previdência, portanto não existem opções. Já o empresário, pode escolher brechas da legislação e assim fugir do peso dos impostos, bastando para tanto não receber pró-labore da própria empresa onde trabalha. Não se acha na legislação nada que obrigue o empresário a fazer a retirada de pró-labore. O que se acha são normatizações esdrúxulas que visam proteger a previdência social e que evidentemente não estão na mesma hierarquia de um decreto como a CLT - Consolidação das leis do trabalho e do CTN - Código Tributário Nacional. O empresário pode então fugir do Imposto de Renda na Fonte e do INSS que incidem sobre o pró-labore.
Mas como o empresário poderá viver então? Fazendo a retirada mensal de lucros conforme balanços levantados especialmente para essa finalidade e que segundo o artigo 10 da Lei 9.249/1995 é isento de imposto de renda. Sobre o lucro também não incide INSS ou qualquer outro imposto. Caso o empresário resolva dividir parte de seus lucros com os seus empregados, estes por sua vez não gozarão da mesma isenção. A participação dos empregados nos lucros é tributada na fonte pelo imposto de renda.
A verdade é que de acordo com a legislação atual o empresário consegue driblar os impostos diretos sobre a renda, tendo como “renda” os lucros da atividade empresarial, já o trabalhador empregado pelo mesmo empresário não consegue e não tem chances, conforme quadro abaixo:
Tributo/contribuição |
Empregado |
Empresário |
Imposto de renda s/ salário ou Pró-labore |
SIM |
SIM |
INSS s/ salário ou Pró-labore |
SIM |
SIM |
Imposto de renda s/ o lucro |
SIM |
NÃO |
INSS s/ o Lcro |
NÃO |
NÃO |
Outra diferença é que a renda do empregado praticamente não tem crescimento, ela dificilmente evoluirá ao longo de um tempo. A única evolução certa e possível é através da mudança de posição em cargos. Mas a tendência é que apenas a perda inflacionária seja reposta de acordo com as negociações sindicais. Pode-se dizer que a renda do trabalhador, juntando benefícios a título de salário como terço de férias e décimo terceiro salário apenas é reajustada em função da realidade econômica em um dado momento.
Já a renda do empresário pode crescer de forma exponencial. Basta imaginar uma empresa bem administrada e que consiga crescer continuamente durante algum período. Se a lucratividade crescer junto com a empresa, obviamente haverá um reflexo direto na renda e no patrimônio pessoal do empresário.
Para ilustrar, faremos a seguinte comparação entre um salário bruto inicial de R$ 4.500,00 e uma retirada inicial de lucros no mesmo valor. De acordo as tabelas atuais de imposto de renda e de INSS o Salário seria reduzido para um valor liquido de R$ 3.705,80 conforme tabela a seguir:
|
Salário |
Lucros |
Bruto |
4.500,00 |
4.500,00 |
INSS |
-430,78 |
0,00 |
IRRF |
-363,42 |
0,00 |
Liquido |
3.705,80 |
4.500,00 |
Sendo estes os valores iniciais como ficariam depois de cinco anos caso uma empresa crescesse a hipotéticos 30% ao ano e o salário fosse reajustado em hipotéticos 5% por ano a cada dissídio coletivo. Projetando os valores podemos ver a seguir que a retirada de lucro ficará quatro vezes e meia maior:
|
Salário líquido |
Retirada de lucro |
Ao final do 1º ano |
3.891,09 |
5.850,00 |
Ao final do 2º ano |
4.085,64 |
7.605,00 |
Ao final do 3º ano |
4.289,92 |
9.886,50 |
Ao final do 4º ano |
4.504,42 |
12.852,45 |
Ao final do 5º ano |
4.729,64 |
16.708,19 |
A grande diferença de acordo com essa projeção é a possibilidade de obter um aumento real da renda. Enquanto que ao trabalhador, resta a ilusão do aumento salarial em função de dissídios. Se não houvesse inflação, restaria ao trabalhador correr atrás de aumentos por mérito, o que tornaria ainda mais frustrante a carreira como trabalhador assalariado, já que é sabido que a meritocracia não é um traço comum na cultura das empresas brasileiras. Considerando que a maioria das empresas é de pequeno e de médio porte, até mesmo as mudanças de posição de cargos são difíceis. Não há que se falar nos custos sobre a folha de pagamento, custos operacionais e impostos sobre o faturamento da empresas, pois, teoricamente tudo isso é repassado ao preço de venda, além do próprio risco do negócio.
As artimanhas para fugir dos impostos, deixaram de ser uma exclusividade de contadores, economistas e advogados tributaristas. O universo de pessoas que percebem essas diferenças é muito maior hoje em dia. Junte-se a isso a vontade de crescer e de prosperar. Um belo retrato exemplar desse fenômeno seria as empresas de contabilidade, onde é sabido que muitos contadores começam empregados e terminam empresários donos do próprio escritório ou ainda empreendedores em outra atividade qualquer. Há ainda outra situação, a chamada “pejotização”, onde muitos gerentes e diretores em grandes empresas, ao contrário do que se pensa e ainda que a prática seja perniciosa, preferem emitir notas fiscais a assinar um holerite e ter a carteira de trabalho assinada.
O que se quer mostrar aqui é que há dois pesos e duas medidas na legislação tributária em geral. Tudo que representar acréscimo de patrimônio ou renda é tributado, uma regra que funciona muito bem para o trabalhador comum sem chances de manobra para fugas. O capitalista ou o empresário consegue amealhar e angariar patrimônio, crescer e prosperar seguindo a mesma legislação tributária em geral sem pagar impostos diretos sobre a renda ou reduzindo-os ao máximo possível. Sendo assim a carreira como empreendedor é muito mais atraente do que a carreira como trabalhador assalariado. Olhando por outro ângulo, o trabalhador paga impostos diretos sobre a renda e ainda sobre tudo que compra de mercadorias e serviços. Uma dupla penalização, já que uma parcela da população brasileira pode se dar ao luxo de pagar impostos sobre a renda se quiser ou simplesmente não pagar. É uma benesse de encher os olhos em um País que cobra muito em tributos e devolve muito pouco em serviços públicos. Talvez, esse seja o melhor ponto de partida para as reflexões, discussões e estudos sobre o que é inconstitucional e ou o que é certo ou errado sobre a tributação de rendas atualmente. Essa é uma face de um Brasil que precisa mudar urgente.
Marcos A. Canavezzi
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