Atenta leitora, atento leitor, o título não está errado. Minha intenção não é abordar o instituto presente no artigo 171 da Lei 5.172/66, o nosso Código Tributário Nacional. O assunto “transações tributárias” continuará em alta, especialmente porque os efeitos econômicos da pandemia ainda persistirão por um bom tempo.
Minha ideia aqui é mesmo abordar e torcer para que, a partir do próximo ano, a ideia da progressividade na tributação possa permear as discussões da reforma tributária, que, com certeza, voltará à pauta.
A inspiração veio da leitura do livro “Progressividade Tributária e Crescimento Econômico”, sob coordenação do professor e pesquisador do IBRE Manoel Pires, disponibilizado pelo Observatório de Política Fiscal, entidade ligada à FGV que foi criada para fomentar as discussões acerca das finanças públicas, nas quais não podem faltar as questões tributárias e fiscais.
Logo na introdução do livro, o autor coloca as dificuldades existentes em se implantar um modelo progressivo de tributação, tanto no aspecto econômico como, principalmente, nos aspectos políticos e sociais.
Hoje sabemos que o modelo tributário brasileiro é essencialmente regressivo, ou seja, a maior parte dos tributos arrecadados não leva em conta a capacidade contributiva do sujeito passivo: tributa-se a todos da mesma forma. Isso se dá através dos chamados impostos indiretos, como, por exemplo, o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) e outros.
Em outras oportunidades, já abordei aqui o quão desproporcional e injusta é a tributação que não leva em conta quem está arcando com o ônus.
Costumo citar um exemplo, apenas para fins didáticos, no qual apresento a hipótese de um determinado alimento que custa R$ 50 e tem uma tributação embutida de R$ 10. Esse mesmo alimento é adquirido por um cidadão que ganha R$ 2.000 por mês e também por um outro que recebe R$ 50.000 por mês.
Embora ambos paguem o mesmo tributo de R$ 10, esse valor, para quem ganha menos, representa 0,5% de sua renda, enquanto para quem ganha mais no nosso exemplo representa apenas 0,02%.
É assim que funciona, no bolso do cidadão, a tributação regressiva.
Por isso usei o termo transição no título do artigo. É disso que precisamos: caminhar para um modelo no qual a maior parte da arrecadação tributária venha de impostos diretos, como os que incidem sobre a renda e o patrimônio.
Como também já abordei em outras oportunidades, nosso modelo de tributação é a principal causa para que tenhamos uma das piores distribuições de renda do planeta.
Todos os países que têm distribuição de renda pior que o Brasil estão no continente africano, ainda que tenhamos, como gosto de enfatizar, uma carga tributária no padrão belga.
No sistema tributário brasileiro, inclusive em termos de imposto sobre a renda, nas palavras do professor Manoel Pires, temos “iniquidade vertical (quem recebe mais paga menos) e iniquidade horizontal (pessoas com mesmo nível de renda sofrem incidência de tributação completamente diferentes)”.
E, hoje, um dos principais motivos, na seara do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF), vem da isenção total na distribuição de lucros e dividendos, o que faz com que a alíquota efetiva do IRPF dos 1% mais ricos do país seja de apenas 5,25%, conforme números de 2019 do próprio fisco.
Claro que mexer com privilégios sempre gerou argumentações em contrário, falácias e reações.
Extraio do próprio livro citado anteriormente um exemplo trazido até como anedótico, mas verídico, para entendermos melhor essas reações.
Na Inglaterra do século XVII, o rei William III instituiu o imposto sobre janelas. Isso mesmo! A forma de quantificar que uma habitação tinha um padrão elevado, contava com mais cômodos, era obtido pelo número de janelas.
E isso era uma progressividade, quanto mais alto o padrão da residência, quanto mais janelas, mais imposto era cobrado. Eis que a reação não tardou a ocorrer, com o tempo, muitas famílias reduziram o número de janelas de suas residências com o objetivo de pagar menos impostos.
Não tardou para que a insalubridade das residências começasse a causar diversas doenças.
Dá para antever que a transição para um modelo efetivamente progressivo encontrará resistências e esperneios os mais diversos. Mas valerá a pena tentar!