A Causalidade Invertida entre a Eficiência Digital e a Ambição Fiscal Brasileira
O questionamento sobre a capacidade de implementar uma Reforma Tributária de tamanha envergadura, enquanto persistem falhas notórias e recorrentes em plataformas digitais essenciais do Estado (como o e-CAC da Receita Federal, sistemas municipais e o e-Social), reside no cerne de uma profunda crise de confiança e de uma aparente causalidade invertida.
A premissa do cidadão sugere que a ineficiência digital crônica nos serviços públicos básicos desqualifica a administração para empreitadas complexas. De fato, a experiência cotidiana com sistemas lentos, instáveis e desarticulados — uma "piada" operacional, no jargão popular — expõe a fragilidade da infraestrutura digital governamental. Tal cenário não apenas dificulta o compliance do contribuinte, mas também mina a percepção de que o Estado possui a competência técnica e a governança necessárias para gerir a transição e a operação de um novo e sofisticado modelo fiscal.
Os Pilares da Contradição
Complexidade Exponencial: A nova arquitetura fiscal, centrada em tributos como o IBS e a CBS, impõe um desafio tecnológico sem precedentes. Sua operacionalização exige a integração, em tempo real, de um volume colossal de transações (centenas de bilhões anuais), utilizando a Nota Fiscal Eletrônica (NF-e) como base de cálculo e o mecanismo de Split Payment (pagamento do imposto no ato da transação).
A "Piada" Digital como Risco Sistêmico: Se sistemas consolidados, como os citados, falham em lidar com o tráfego e a segurança atuais, a escalabilidade e a robustez do novo sistema para suportar picos de demanda — como na Black Friday — e garantir a cibersegurança de dados ultrassensíveis se tornam um risco sistêmico à própria arrecadação.
Assimetria Tecnológica: Há um risco real de criar um ecossistema de conformidade em múltiplas velocidades. Empresas com pouca capacidade tecnológica (como as 84% enquadradas no Simples Nacional) podem ser marginalizadas da nova engrenagem fiscal, dificultando a prometida democratização e simplificação.
Em suma, a crítica, embora veemente, toca em um ponto crucial: a Reforma Tributária não é apenas uma mudança legal; é, essencialmente, uma revolução tecnológica da administração pública. O sucesso do novo regime depende, intrinsecamente, da superação dos vícios atuais de infraestrutura, interoperabilidade e experiência do usuário que hoje tornam os serviços digitais do Estado, lamentavelmente, uma metáfora para a ineficiência. A falha em resolver o básico projeta uma sombra de ceticismo sobre a capacidade de executar o monumental.