O anúncio das medidas, feito pelo novo Governo, para os 100 primeiros dias deste ano retratam o discurso de campanha que enfatizou o combate à corrupção, a melhoria do ambiente regulatório e a amplificação da desburocratização, visando facilitar o desenvolvimento do País.
Já se percebe, sem dúvida, que os acontecimentos recentes referentes a esquemas de corrupção e a busca pela conformidade com os padrões internacionais estão contribuindo para uma mudança de postura na cultura das organizações brasileiras. O zelo pela integridade no ambiente organizacional trouxe à tona um termo deixado de lado nos últimos tempos – a Ética. O resgate de valores por parte das empresas tem se tornado essencial para sua permanência no mercado, que vem aumentando seu grau de exigência a cada dia que passa.
Explorando algumas estatísticas, em 2017, o Brasil caiu 17 posições no Índice de Percepção da Corrupção, passando da 79ª colocação para a 96ª. A pontuação passou de 40 para 37 e quanto menor esse valor, maior é a percepção da corrupção no país. Isso desperta um alerta importante quanto à falta de eficácia dos esforços assumidos no sentido de mitigar o problema. De acordo com os dados da Corporación Latinobarómetro[i], que engloba os países da América Latina, a corrupção foi mencionada como um dos principais problemas do Brasil em 2018, ficando atrás apenas da saúde.
É interessante mencionar que, no final de 2018, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) divulgou o balanço de Relatórios de Inteligência Financeira (RIFs) – foram 7.279 RIFs, significando um aumento de 10% em relação a 2017. Outro dado significativo é o número de comunicações encaminhadas pelas pessoas obrigadas – foram cerca de 3 milhões de comunicações, representando um crescimento de aproximadamente 90% em relação ao ano anterior. O Conselho tem apresentado um avanço importante no combate à criminalidade econômica e, em seus 20 anos de existência, foram mais de 40 mil RIFs e 17 milhões de comunicações recebidas.
A preocupação com a prevenção de fraudes e com os desvios de conduta tem deixado em destaque as práticas de boa governança corporativa, responsáveis por primar e disseminar os preceitos éticos entre os gestores e funcionários das empresas. Nesse cenário, o vocabulário contábil-financeiro brasileiro acolheu um termo que retrata essa busca da conformidade e da obediência às leis internas e externas, que tem se tornado cada vez mais importante no comportamento organizacional: o compliance.
A palavra compliance vem do verbo to comply, da língua inglesa, que traduzido para o português significa “cumprir”. Conceitualmente, compliance pode ser definido como uma série de medidas internas a serem adotadas a fim de assegurar que todas as atividades da empresa sejam praticadas em conformidade com leis e regulamentos e, caso alguma violação seja identificada, dispor de meios para corrigi-la de forma eficiente e imediata.
A Lei n.º 12.846/2013, conhecida também como Lei Anticorrupção ou Lei de Integridade Empresarial, foi um marco importante para que o termo compliance conquistasse a expressividade que tem hoje no País. Essa lei tem por objetivo sanar a lacuna existente no sistema jurídico brasileiro sobre a responsabilização administrativa e civil de pessoas jurídicas pela prática de atos contra a administração pública, nacional ou estrangeira.
É interessante ressaltar que o Art. 7º, inciso VIII da referida Lei, enuncia que a existência de mecanismos e procedimentos internos de integridade, auditoria e incentivo à denúncia de irregularidades e a aplicação efetiva de códigos de ética e de conduta no âmbito da pessoa jurídica serão levados em consideração no momento da aplicação das sanções. Assim sendo, a lei está concedendo benefício de atenuação de pena às empresas que, de fato, adotarem procedimentos que inibam a corrupção, procedimentos esses que remetem ao estabelecimento de um programa de compliance.
Inserido no contexto mundial, o Brasil, juntamente com os demais países integrantes do G20 acabam de receber uma proposta que visa o desenvolvimento econômico justo e sustentável. O documento The Global Accountancy Profession’s Call to Action for G20 Countries (traduzido para o português: Chamado para Ação da Profissão Contábil Global para os países do G20), publicado pela International Federation of Accountants (Ifac), traz, entre seus principais eixos temáticos, o aumento da transparência e o desenvolvimento de uma regulamentação mais eficiente, temas estes que se relacionam ao compliance e que vão ao encontro de questões cada vez mais importantes para a sociedade brasileira. Trata-se de um apelo da profissão contábil global aos países do G20 (e ao mundo), com recomendações específicas e acionáveis, visando a uma cooperação contínua.
Em relação à construção de uma regulamentação mais eficiente, o documento define esse tema dissertando que o regulamento deve cumprir suas promessas por meio de um projeto direcionado e eficaz, juntamente com uma implementação comprometida, a fim de conquistar a confiança dos cidadãos. É necessário desenvolver e adotar princípios consistentes e abrangentes para um regulamento de alta qualidade e instar órgãos reguladores e normatizadores a aderirem a eles. Outrossim, é preciso primar por um ambiente regulatório global transparente e implementar normas internacionais para melhorar a confiança, o crescimento e a estabilidade econômica.
Vale mencionar que, entre as normas internacionais que precisam ser implementadas e/ou adotadas em âmbito global, se destacam, a saber, as Normas Internacionais de Relato Financeiro; os Padrões Internacionais de Auditoria; Código de Ética Internacional para Contadores; os Padrões Internacionais de Contabilidade do Setor Público; e os Padrões Internacionais de Educação. De fato, a consolidação internacional de padrões qualificados é essencial para o sucesso das relações multilaterais e para o desenvolvimento da economia global.
Outro ponto de grande relevância se refere à intensificação da transparência, buscando a construção de um ambiente em que o cidadão seja capaz de enxergar a responsabilidade de seu governo e que a economia possa acreditar nessa governabilidade. A transparência contundente nos setores público e privado é fundamental para conquistar a confiança, avançar no combate à corrupção e promover uma governança forte e ética. Nesse quesito, o documento aponta ainda a importância da adoção global da estrutura internacional do Relatório Integrado e de relatórios financeiros baseados nas Normas Internacionais de Contabilidade Aplicadas ao Setor Público (Ipsas).
Convenhamos, as medidas anunciadas pelo Governo federal nessa semana (23/1) contemplam essas questões referentes à inserção internacional e ao combate à corrupção. De modo particular, a medida número 9 traz como prioridade a intensificação do processo de inserção econômica internacional, a partir de medidas de facilitação de comércio, convergência regulatória, negociação de acordos comerciais e reforma da estrutura tarifária nacional. Essas ações vão ao encontro do processo de convergência que vem ocorrendo na Contabilidade – IFRS, Ipsas e Código de Ética –, que busca a harmonização e o bom andamento das relações internacionais.
É importante destacar que, em julho de 2018, a International Federation of Accountants (Federação Internacional de Contadores) e a International Bar Association – organização internacional de advogados, associações de advogados e sociedades jurídicas – assinaram um Mandato de Combate à Corrupção, comprometendo-se com o papel vital das profissões globais que lidam com a corrupção em todo o mundo. Essas organizações, juntas, possuem representantes em mais de 170 jurisdições em todo o globo e buscam manter os mais altos níveis de integridade e padrões éticos a essas profissões.
Vale ressaltar, também, que o Brasil é signatário da convenção anticorrupção da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Desde a sua ratificação pelo Congresso Nacional, no ano de 2000, esse normativo possui status de lei, trazendo a obrigatoriedade ao País em observar suas diretrizes. Entre essas diretrizes, encontra-se o “Guia de Boas Práticas sobre Controles Internos, Ética e Compliance”, publicado em 2010.
Todas essas ações remetem à importância do profissional da contabilidade nessa revolução cultural contra práticas ilegais e de resgate aos valores morais e éticos. O combate à corrupção, em todas as esferas, é primordial, já que ela continua a ser uma grande ameaça para crescimento e desenvolvimento econômicos e para a confiança dos cidadãos nas instituições, das quais dependem para obter ordem, progresso e justiça.
No ofício de sua profissão, o profissional da contabilidade lida com muitas normas e um vasto número de informações – tanto de transações como de serviços, pessoas, etc. – que serão a base para a preparação de seus registros, relatórios e análises. Tendo em vista essa natureza, é totalmente compreensível que exista uma cobrança maior quanto a uma conduta ética e exemplar desse profissional. As informações por ele produzidas devem refletir a visão justa e verdadeira das transações.
Ao desenvolver suas atividades, o profissional da contabilidade deve cumprir os seguintes princípios éticos (NBC PG 100): integridade; objetividade; competência profissional e devido zelo; sigilo profissional; e comportamento profissional. Seu papel primordial é levar para a sociedade todas as informações que ela deve saber. O registro deve ser completo, constando todas as operações realizadas em uma empresa, sem excluir nada, de forma integral quanto à sua realização. Assim, a responsabilidade do profissional da contabilidade nesse contexto é, acima de tudo e sempre, para com a sociedade, usuária das informações produzidas.
Nesse sentido, a implantação da norma da Ifac, conhecida por Noclar (Responding to Non-Compliance with Laws and Regulations) no Brasil representa um instrumento importante no combate a ilegalidades, que estará à disposição do profissional da contabilidade. Ela estabelece a permissão ao profissional de informar irregularidades ou ilegalidades detectadas sem ferir a norma ética.
Diante desse panorama de transformações em busca de um país mais ético, as medidas anunciadas pelo Governo Federal, a serem priorizadas nos 100 primeiros dias deste ano, apontam para o resgate de valores e para o comprometimento, cada vez maior, com a transparência e a integridade.
Por: Zulmir Ivânio Breda - Presidente do CFC