A fim de derrubar as cobranças de Imposto de Renda (IR) sobre ganho de capital vindo da valorização de bens transmitidos por herança ou doação, contribuintes recorrem ao Supremo Tribunal Federal (STF).
Vale destacar que o tema, porém, ainda divide os ministros e existem decisões favoráveis à União, individual ou de turma.
Na discussão, os contribuintes contestam se ocorre dupla tributação, já que os Estados cobram o Imposto sobre Transmissão de Causa Mortis e Doação (ITCMD).
Além desse, outro argumento, de acordo com o escritório Mannrich e Vasconcelos Advogados, é que o doador não tem acréscimo de patrimônio ao transferir bens gratuitamente, do contrário, ele tem acréscimo patrimonial.
O imposto ITCMD é cobrado na transferência da propriedade por causa de morte ou doação. Aquele que recolhe o tributo é o herdeiro ou o donatário, isto é, quem recebe a doação. Vale lembrar que para cada Estado há variação de alíquotas que podem chegar a 8%.
Segundo exigência da União, o IR deve ter uma alíquota entre 15% e 22%, sobre eventual ganho auferido na atualização do valor do bem no momento da transferência da propriedade. No entanto, diferentemente do que ocorre com o ITCMD, o IR é cobrado do doador ou do espólio, como explicam advogados tributaristas.
Segundo o artigo 23 da Lei nº 9.532, de 1997, os bens ou direitos transferidos por herança ou doação em adiantamento ao adiantar uma herança podem ser avaliados a valor de mercado, bem como pelo constante da declaração de bens do doador ou do falecido.
Conforme apontam os advogados, a discussão central é sobre a constitucionalidade do parágrafo 1º da norma. Conforme o dispositivo, prevê-se na transferência a valor de mercado, a diferença a maior fica sujeita à tributação pelo IR.
Para a advogada Juliana Cardoso, o importante é que o contribuinte saiba do risco de, na transferência a valor de mercado, ser exigido o IR sobre o ganho de capital.
“O fato é que a tributação acaba por diminuir a herança. Isso tem levado alguns clientes a querer discutir o tema judicialmente”, afirma.
Até o momento, a 1ª e a 2ª Turmas do STF proferiram, cada uma, dois acórdãos com relação ao tema, em sentidos opostos. Segundo afirmam os advogados, o ideal seria a Corte afetar o tema para julgamento em repercussão geral, dando uma orientação para o Judiciário.
Em nota ao Valor Econômico, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) afirma que como existem precedentes das duas turmas do STF chancelando a exigência do IR “seria possível a submissão da matéria ao Plenário Virtual de repercussão geral, para reafirmação da jurisprudência”.
No mês de agosto, em julgamento virtual, a 1ª Turma deu sinal verde para a União exigir o IR. Reformou acórdão do Tribunal Regional Federal (TRF) da 6ª Região, o qual havia reconhecido a bitributação.
Conforme diz o relator, ministro Luiz Fux, os fatos geradores dos impostos e as bases de cálculo são distintos.
“No IRPF, há incidência sobre o patrimônio acrescido referente ao ganho de capital dos ativos herdados. Quanto ao ITCMD, a incidência se dará sobre a transmissão causa mortis da propriedade”, afirma no voto.
Ainda para o ministro, a base de cálculo do Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF) é o acréscimo apurado entre o valor de mercado no momento da transmissão da herança e o valor de aquisição do bem, enquanto do ITCMD, é o valor venal do bem transmitido causa mortis.
Neste caso, a decisão foi unânime. Participaram do julgamento a ministra Cármen Lúcia, que tem se posicionado a favor da União na tese, além dos ministros Alexandre de Moraes, Cristiano Zanin e Luís Roberto Barroso.
No começo do ano, em fevereiro, o julgamento da mesma questão na 1ª Turma teve, porém, desfecho diferente. A maioria dos ministros impediram a exigência do IR por entender estar configurada a bitributação, mantendo a decisão do TRF da 2ª Região, favorável ao contribuinte.
No julgamento, Barroso fundamentou que o Supremo tem entendimento de que o IR incide sobre acréscimo patrimonial disponível econômica ou juridicamente, além de que a Constituição repartiu o poder de tributar entre os entes federados.
“Admitir a incidência do imposto sobre a renda nos moldes defendidos pela Fazenda acabaria por acarretar indevida bitributação, na medida em que também incidiria o Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação”, afirma o ministro no voto.
Na ocasião, acompanharam o relator os ministros Luiz Fux, Alexandre de Moraes e Dias Toffoli. Apenas a ministra Cármen Lúcia divergiu.
Neste ano de 2023, a composição das turmas do STF mudou. Em maio, o ministro Toffoli passou da 1ª para a 2ª Turma. Em agosto, o novo ministro Cristiano Zanin passou a compor a 1ª Turma.
Vale ainda dizer que na 2ª Turma também não há entendimento uniforme. No início de março, os ministros não entraram no mérito da discussão. Assim, por unanimidade, entenderam que não haveria, no caso, discussão constitucional para a Corte analisar.
Mantiveram assim, na prática, a decisão do TRF da 1ª Região que, além de reconhecer a bitributação, entendeu não ter ocorrido ganho de capital na transferência do bem herdado.
“Eventual discussão acerca da ocorrência de bitributação, nas hipóteses de incidência do IR sobre imóveis recebidos em herança, exigiria a reinterpretação de norma infraconstitucional (Lei nº 9.532), o que é vedado em sede de recurso extraordinário, além de revelar afronta meramente reflexa ou indireta ao texto constitucional”, afirmou o relator, ministro Nunes Marques.
A 2ª Turma, em fevereiro de 2021, por unanimidade, havia liberado a União de exigir o IR, a partir do voto da relatora, ministra Cármen Lúcia. Na época, ela compunha o colegiado.
Conforme o entendimento de Lúcia, as normas que prevêem a tributação não inovam sobre o fato gerador do IR, até mesmo na determinação de incidência desse tributo sobre a doação ou a herança.
“Trata-se apenas da definição do momento para a apuração do ganho de capital tributável”, diz ela.
A ministra ainda acrescenta que também não haveria bitributação, uma vez que o IR recai sobre o ganho de capital apurado na doação em antecipação de herança, e não sobre a doação em si.
Em abril de 2023, essa foi a mesma linha adotada pelo ministro Gilmar Mendes, em decisão individual. Conforme ele, o parágrafo 1º do artigo 23 da Lei nº 9.532, de 1997, apenas explicitou o momento de apuração do acréscimo patrimonial, o qual não tratou de inovação sobre o fato gerador do IR.
“A tributação do ganho de capital nas transferências de bens do de cujus ou do doador configura acréscimo patrimonial sujeito à incidência do Imposto de Renda, não se havendo cogitar de bitributação ou de invasão de competência tributária”, afirma.
Com informações do Valor Econômico