A Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) instaurou procedimento de fiscalização que resultou na ordem de suspensão imediata de qualquer oferta de criptomoeda ou remuneração financeira relacionada à coleta de íris pela empresa Tools for Humanity (TFH) no Brasil. A medida também obriga a organização a disponibilizar, em seu site oficial, a informação sobre o encarregado responsável pelo tratamento de dados pessoais.
Processo de fiscalização e foco na biometria
Em novembro de 2024, a Coordenação-Geral de Fiscalização (CGF), unidade da ANPD encarregada de apurar possíveis irregularidades em tratamentos de dados pessoais, iniciou uma análise sobre a forma como a TFH coleta e processa dados biométricos.
O objetivo foi examinar as atividades desenvolvidas para a criação de uma ferramenta conhecida como World ID, apresentada pela empresa como um método para confirmar se uma pessoa é realmente um indivíduo vivo, com o propósito de aumentar a segurança digital em um cenário de ampliação da inteligência artificial.
Durante a investigação, a CGF avaliou a coleta de dados sensíveis, em especial a íris dos titulares, na perspectiva dos requisitos impostos pela Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD). Esse conjunto de disposições legais exige consentimento expresso, informado e livre de interferências externas na decisão de compartilhar dados dessa natureza.
Consentimento e impacto de vantagens financeiras
A oferta de criptomoeda ou outro tipo de pagamento aos titulares que permitam o uso de seus dados foi um dos elementos examinados pelos fiscais. A ANPD concluiu que essa prática pode influenciar a manifestação de vontade dos indivíduos, sobretudo em situações de vulnerabilidade financeira.
De acordo com a análise da Coordenação-Geral de Fiscalização, existe o risco de que o consentimento não seja concedido de maneira efetivamente livre, caso haja uma oferta de valor monetário em troca do fornecimento dos dados.
A LGPD estabelece que o tratamento de dados pessoais sensíveis, como informações biométricas, depende de consentimento específico, inequívoco e fornecido sem indução.
Dessa forma, a ANPD entende que a possibilidade de receber criptomoedas pode pressionar o titular a aceitar termos que, em condições normais, poderiam ser recusados ou analisados com mais cuidado.
Impossibilidade de exclusão dos dados e gravidade do tratamento
Outro ponto destacado pela ANPD foi a aparente irreversibilidade na remoção dos dados coletados. O relatório da CGF apontou preocupações quanto à exclusão posterior das informações biométricas, pois, mesmo que o consentimento seja revogado, há menções de que o procedimento não revertesse completamente o acesso àquelas informações.
A LGPD prevê que o titular pode solicitar a eliminação de dados pessoais, porém, quando se trata de dados sensíveis, medidas adicionais de proteção são necessárias.
Diante das conclusões sobre a gravidade do tratamento e da falta de garantias de exclusão, a CGF adotou uma medida preventiva contra a TFH. A determinação proíbe a continuidade de qualquer oferta de criptomoeda ou vantagem financeira vinculada à coleta de íris no território nacional.
Identificação do encarregado pelo tratamento de dados pessoais
A ANPD também obrigou a TFH a tornar pública, em seu canal oficial na internet, a identidade do encarregado pelo tratamento de dados pessoais. Essa exigência está prevista na LGPD como forma de assegurar transparência e facilitar o contato para eventuais esclarecimentos ou reclamações.
De acordo com a legislação, o encarregado atua como ponto de comunicação entre a empresa, os titulares dos dados e a própria Autoridade Nacional de Proteção de Dados.
Efeitos imediatos da medida preventiva
A medida entra em vigor em 25 de janeiro, impondo à TFH a suspensão imediata da oferta de criptomoedas ou qualquer benefício econômico associado à coleta de íris. Caso a empresa não cumpra a determinação, há possibilidade de aplicação de sanções administrativas, incluindo multas, conforme previsto pela legislação de proteção de dados.
A iniciativa da ANPD reforça a importância de observar, de maneira rigorosa, os princípios e diretrizes da LGPD no tratamento de dados pessoais sensíveis. A coleta de informações biométricas exige cuidados adicionais, sob pena de afetar direitos e garantias previstos nas normas vigentes.
A decisão afeta diretamente a estratégia da TFH, que agora precisa demonstrar conformidade plena com a LGPD antes de retomar qualquer forma de coleta de dados e oferta de benefícios financeiros a titulares brasileiros.
A suspensão permanece em vigor até que a TFH comprove a adoção de práticas adequadas ao que a legislação exige. A empresa deverá revisar sua abordagem para obter consentimentos de forma transparente, livre de pressões financeiras e compatível com as exigências legais.
Além disso, a obrigatoriedade de divulgação do encarregado de dados pessoais busca oferecer mecanismos de controle social e institucional, permitindo que usuários e autoridades possam acompanhar e questionar procedimentos relacionados ao tratamento de dados biométricos.
A ANPD, por meio de sua Coordenação-Geral de Fiscalização, segue monitorando o caso, e novas medidas podem ser adotadas dependendo do cumprimento efetivo das determinações.