A Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência da Câmara dos Deputados aprovou, em maio de 2025, proposta que permite ao trabalhador solicitar a rescisão contratual com direito à indenização em casos de sofrimento psicológico decorrente do ambiente de trabalho. A medida altera a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e exige laudo médico para comprovação, com exceção feita às pessoas com deficiência.
A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) poderá ser modificada para incluir, de forma expressa, a possibilidade de o trabalhador encerrar o vínculo empregatício por justa causa do empregador quando submetido a condições que resultem em sofrimento psicológico.
A proposta consta do Projeto de Lei 3324/2024, de autoria do deputado Jonas Donizette (PSB-SP), e foi aprovada na Comissão de Defesa dos Direitos das Pessoas com Deficiência da Câmara dos Deputados. O relator, deputado Sargento Portugal (Podemos-RJ), apresentou parecer favorável, com ajustes no local da inserção do texto na CLT.
Segundo o parlamentar, a alteração no capítulo que trata dos direitos dos trabalhadores tem o objetivo de impedir que convenções ou acordos coletivos possam flexibilizar a garantia.
“A alteração reforça a proteção jurídica, garantindo que esses direitos sejam preservados de maneira mais clara e objetiva”, afirmou o relator durante a sessão.
Rescisão indireta: o que diz a legislação atual
Atualmente, a CLT já prevê hipóteses em que o trabalhador pode pedir demissão e, ainda assim, ter acesso aos mesmos direitos da rescisão por parte do empregador. Essa modalidade é chamada de rescisão indireta, também conhecida como “justa causa do empregador”.
Entre as situações previstas estão:
- Exigência de serviços além das forças do empregado;
- Descumprimento do contrato por parte da empresa;
- Rigor excessivo na supervisão;
- Perigo manifesto de mal considerável;
- Atos que ofendam a moral ou a reputação do trabalhador;
- Agressões físicas, salvo em legítima defesa.
O Projeto de Lei 3324/2024 acrescenta o sofrimento psicológico comprovado como uma nova hipótese expressa, atendendo à crescente preocupação com a saúde mental no ambiente profissional.
Sofrimento mental no trabalho passa a ser critério legal
A novidade proposta pelo texto é o reconhecimento formal do sofrimento psicológico como uma violação grave por parte do empregador. Para ter direito à rescisão com indenização, o trabalhador precisará apresentar laudo médico que comprove o quadro clínico, salvo quando for pessoa com deficiência — nesse caso, a comprovação poderá ser dispensada.
O conceito de sofrimento psicológico abrange condições como:
- Ansiedade crônica causada por assédio moral ou sobrecarga de trabalho;
- Depressão relacionada ao ambiente organizacional;
- Transtornos decorrentes de pressão excessiva por metas;
- Esgotamento emocional causado por más condições de gestão.
Esses fatores vêm sendo discutidos por especialistas em saúde ocupacional e direito trabalhista como elementos que comprometem a dignidade do trabalhador.
Saúde mental e o papel do empregador
Com a crescente preocupação com a saúde mental no ambiente corporativo, diversas organizações passaram a adotar políticas de bem-estar, escuta ativa e apoio psicológico.
Por outro lado, situações de assédio moral, metas abusivas, jornadas exaustivas e ausência de suporte seguem sendo motivo de denúncias e ações judiciais.
Segundo levantamento da Organização Internacional do Trabalho (OIT), publicado em 2023, 58% dos trabalhadores brasileiros relatam algum nível de sofrimento psíquico ligado ao trabalho, sendo que 21% afirmam não receber nenhum tipo de apoio institucional.
A inclusão da saúde mental como critério para a rescisão indireta, portanto, alinha a legislação brasileira a uma pauta de relevância internacional.
Impactos da proposta para empresas e contadores
A eventual aprovação da medida traz repercussões diretas para a rotina das empresas e dos profissionais da contabilidade. Caso vire lei, os empregadores deverão estar atentos à gestão de pessoas e à documentação interna, já que um ambiente que favoreça o sofrimento psicológico poderá resultar em passivos trabalhistas.
Além disso, a atuação de contadores e departamentos de recursos humanos será essencial na mediação de conflitos, na orientação jurídica e na elaboração de políticas preventivas.
É recomendável que empresas revisem seus códigos de conduta, implementem canais de denúncia eficazes e incentivem programas de saúde ocupacional.
Tramitação segue para outras comissões
O Projeto de Lei 3324/2024 tramita em caráter conclusivo na Câmara dos Deputados, o que significa que não precisa passar pelo plenário, a menos que haja recurso.
A proposta ainda será analisada pelas seguintes comissões:
- Comissão de Saúde;
- Comissão de Trabalho;
- Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC).
Somente após a aprovação final na Câmara e no Senado Federal o texto poderá ser sancionado e incluído oficialmente na CLT.
Jurisprudência e tendência judicial
Mesmo antes da formalização na CLT, decisões judiciais já reconhecem o sofrimento psicológico como motivo legítimo para a rescisão indireta do contrato de trabalho.
Os tribunais Regionais do Trabalho (TRTs) têm acolhido ações de empregados que comprovaram, por meio de laudos e testemunhas, a existência de ambientes prejudiciais à saúde mental. A jurisprudência, porém, ainda é instável e depende da análise de cada caso concreto.
A aprovação do projeto pode uniformizar o entendimento jurídico e facilitar a defesa dos direitos trabalhistas nesses contextos.
Nova proteção reforça dignidade do trabalhador
A proposta representa um avanço na proteção legal dos trabalhadores diante de uma realidade em que o sofrimento psicológico se tornou cada vez mais comum no mercado de trabalho.
Para os profissionais da contabilidade e gestão de pessoas, a atenção às práticas internas e ao bem-estar dos colaboradores será ainda mais necessária.
Acompanhar a tramitação da proposta e orientar os empregadores sobre seus impactos pode evitar litígios, preservar a saúde ocupacional e fortalecer relações laborais saudáveis.
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Com informações adaptadas da Câmara dos Deputados