A Reforma Trabalhista de 2017 não foi apenas uma mudança legislativa comum, mas representou uma verdadeira revolução ao consolidar a transição de uma "ordem pública trabalhista" para uma "ordem pública de negociação". Ao permitir que acordos e convenções coletivas prevaleçam sobre a lei em temas críticos, como jornada de trabalho, banco de horas e remuneração por produtividade, o artigo 611-A da CLT inaugurou uma nova era em que a autonomia negocial assume um protagonismo antes reservado quase exclusivamente ao Estado.
Essa mudança paradigmática recebeu o selo de legitimidade definitiva com o julgamento do Supremo Tribunal Federal no Tema 1.046 (ARE 1.121.633), que não apenas confirmou a constitucionalidade das cláusulas negociadas que restringem direitos legais – desde que respeitado um patamar mínimo civilizatório –, mas destacou que invalidar tais negociações seria "comprometer o direito de serem tratados como cidadãos livres e iguais" (Tema 152).
Neste cenário, a negociação coletiva desempenha uma dupla função essencial: serve como instrumento preventivo de conflitos e mecanismo de autocomposição para resolver controvérsias já estabelecidas. Esse papel reduz significativamente a sobrecarga do Poder Judiciário e aproxima as soluções das realidades produtivas e sociais das categorias profissionais.
Grandes estudiosos internacionais têm enfatizado justamente esse poder transformador da negociação coletiva. Alain Supiot, renomado jurista francês, destaca que a lei deve servir como uma arquitetura de pontes, capacitando atores sociais a estabelecerem regras próprias em um capitalismo dinâmico e globalizado, especialmente diante das plataformas digitais e das cadeias produtivas internacionais.
Harry Arthurs reforça essa visão ao sugerir que as diferenças devem ser reconciliadas de forma criativa e dialogal, deslocando o debate da rigidez normativa para soluções mais flexíveis e realistas, mesmo quando implicam limitar alguns direitos em troca de uma ampliação do poder coletivo de decisão. Por sua vez, Katherine V.W. Stone enfatiza que, no contexto pós-industrial, conflitos trabalhistas, principalmente em empresas inovadoras como startups e fintechs, exigem espaços de negociação flexíveis e coletivos, capazes de acomodar interesses diversos em uma rede multissistêmica, reduzindo a inadequação das soluções individuais tradicionais.
A prática internacional e nacional demonstra concretamente as vantagens do diálogo sobre o litígio. No Brasil, os frigoríficos que adotaram acordos coletivos sobre pausas térmicas conseguiram reduzir as ações trabalhistas, adequando melhor a produção sazonal. Na Europa, o modelo espanhol do ERTE durante a pandemia preservou milhões de empregos graças a acordos financiados pelo Estado, evitando uma explosão de disputas judiciais.
A Alemanha, com seu Betriebsrat 4.0, exemplifica como negociações sobre algoritmos e inteligência artificial podem prevenir litígios complexos. E nos Estados Unidos, as "stand-up strikes" confirmaram que estratégias de confronto dialogal produzem resultados concretos, como aumentos salariais significativos e melhores condições de trabalho.
Esses exemplos nos levam a reflexões críticas sobre por que a negociação coletiva é superior à litigância judicial. A negociação tem eficácia imediata, é flexível e adequada às particularidades de cada setor, promove a corresponsabilidade entre as partes e fortalece o movimento sindical ao legitimar sua ação perante os trabalhadores.
Como tendências futuras, destacam-se práticas inovadoras na negociação coletiva que facilitam ainda mais a mediação de conflitos. Entre elas estão acordos-quadro transnacionais que harmonizam condições de trabalho em cadeias produtivas globais, protocolos para o uso ético de inteligência artificial em avaliações de desempenho e práticas laborais, e o estabelecimento de cláusulas ambientais, como metas claras de redução de emissões de carbono integradas diretamente nas negociações.
Exemplos concretos incluem o pacto ambiental da indústria automotiva alemã, negociações sobre teletrabalho permanente em diversos setores pós-pandemia e regulamentações negociadas sobre a transparência e auditabilidade dos algoritmos usados em aplicativos de entrega e transporte.
Essas práticas representam caminhos concretos para fortalecer o diálogo social e garantir que as soluções encontradas estejam próximas das necessidades reais de trabalhadores e empregadores, evitando disputas judiciais prolongadas e frequentemente inadequadas à complexidade das relações contemporâneas de trabalho.
Com a coautoria de Eduarda Fontenelle Pereira Mac Dowell, acadêmica da Universidade Mackenzie