O Superior Tribunal de Justiça (STJ) definiu que os salários pagos a menores aprendizes devem integrar a base de cálculo da contribuição previdenciária patronal, bem como dos adicionais e das contribuições a terceiros, como o Sistema S. A decisão foi tomada pela 1ª Seção em julgamento no Plenário Virtual e serve como orientação para as instâncias inferiores.
A definição ocorre após a discussão de processos que estavam suspensos em razão do Tema 1294, julgado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em 2024, que reconheceu a natureza infraconstitucional da matéria. Com o julgamento da 1ª Seção do STJ (REsp 2191479 e REsp 2191694), os processos poderão retomar a tramitação após o trânsito em julgado.
Origem da discussão sobre o contrato de aprendizagem
A controvérsia surgiu a partir da interpretação da Receita Federal, que considera o contrato de aprendizagem como um contrato normal de trabalho. Segundo a Lei nº 10.097, de 2000, podem ser aprendizes jovens de 14 a 24 anos. Empresas de médio e grande porte são obrigadas a manter entre 5% e 15% de aprendizes em seus estabelecimentos.
Por outro lado, contribuintes argumentam que o contrato de aprendizagem não constitui relação empregatícia comum, classificando o aprendiz como segurado facultativo nos termos da Lei nº 8.212/1991 e da Lei nº 8.213/1991. Além disso, o artigo 4º do Decreto-Lei nº 2.318/1986 previa a exclusão da remuneração dos “menores assistidos” da base de cálculo dos encargos previdenciários.
Apesar disso, a Receita entende que essa isenção foi tacitamente revogada pela Constituição Federal e pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), incorporando os aprendizes à categoria de empregados para fins de contribuição previdenciária.
Entendimento do STJ sobre o contrato de aprendizagem
A relatora, ministra Maria Thereza de Assis Moura, conduziu a análise do colegiado, que concluiu que o contrato de aprendizagem é um “contrato de trabalho especial”, conforme o artigo 428 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Segundo o STJ, não se sustenta a classificação do aprendiz como segurado facultativo.
O acórdão esclarece que os dispositivos legais que tratam da filiação facultativa apenas indicam a idade mínima para adesão. Para menores de 18 anos com contrato de aprendizagem, a filiação será como empregado, com todos os efeitos previdenciários correspondentes.
Dessa forma, o STJ estabeleceu que a remuneração de aprendizes integra a base de cálculo da contribuição previdenciária patronal, da Contribuição do Grau de Incidência de Incapacidade Laborativa decorrente dos Riscos Ambientais do Trabalho (GIIL-RAT) e das contribuições a terceiros.
Impactos para empresas e contribuintes
Especialistas alertam que a decisão pode gerar impactos significativos nas contratações de aprendizes. Márcio Miranda Maia, sócio do Maia & Anjos Advogados, afirma que o aumento de custos pode levar empresas a revisar políticas internas de contratação, reduzindo oportunidades para jovens e contrariando o objetivo social do programa de aprendizagem.
Beatriz Bourguy De Medeiros, tributarista do LLH Advogados, ressalta que a decisão poderia ter aprofundado a análise sobre a natureza especial do contrato de aprendizagem, considerando que a legislação não equipara expressamente aprendizes a empregados comuns.
A exigência de contribuição previdenciária sobre a remuneração dos aprendizes levanta questionamentos sobre o princípio da legalidade, previsto no artigo 150, inciso I, da Constituição Federal, segundo especialistas.
Jurisprudência anterior e consolidação do entendimento
Antes da definição da 1ª Seção, não havia jurisprudência consolidada sobre o tema. Decisões anteriores do STJ variavam: a 2ª Turma manteve que a exclusão de menores aprendizes ou assistidos devia ser interpretada literalmente (REsp 2146118). Já a 1ª Turma concluiu que a qualificação de segurado facultativo não afasta a obrigação do empregador de recolher contribuições previdenciárias sobre os valores pagos aos aprendizes (REsp 2150803).
O posicionamento da 1ª Seção do STJ agora uniformiza o entendimento, reforçando que a remuneração de aprendizes deve compor a base de cálculo das contribuições previdenciárias patronais e de terceiros.
O contrato de aprendizagem é regulamentado pelo artigo 428 da CLT e pela Lei nº 10.097/2000, que define faixa etária e percentual mínimo de aprendizes. Trata-se de um contrato especial que combina formação profissional e jornada de trabalho.
Para fins previdenciários, o STJ deixa claro que a natureza especial do contrato não impede a integração da remuneração do aprendiz na base de cálculo das contribuições devidas. Esse entendimento garante uniformidade às decisões judiciais e permite que as empresas ajustem suas obrigações previdenciárias de forma segura.
A decisão do STJ deve ser observada por todas as instâncias inferiores e pode influenciar diretamente a gestão de programas de aprendizagem em empresas de médio e grande porte. O efeito mais imediato é a necessidade de cálculo correto das contribuições previdenciárias sobre os salários de aprendizes, evitando autuações futuras.
Especialistas alertam que, embora o contrato de aprendizagem tenha caráter educacional, os encargos previdenciários passam a ser obrigatórios, o que pode afetar estratégias de contratação e o acesso de jovens ao mercado de trabalho.
A Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) foi contatada para comentar a decisão, mas não havia se manifestado até o fechamento desta edição.
Com informações do Valor Econômico