A inclusão do trabalho intermitente no ordenamento jurídico brasileiro, por meio da Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/2017), gerou debates acerca de sua compatibilidade com os princípios constitucionais. Contudo, da análise jurídica do julgamento das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI nº 5.826, ADI nº 5.829 e ADI nº 6.154), aponta-se que a regulamentação do trabalho intermitente respeita os ditames constitucionais, representando uma resposta à realidade contemporânea do mercado de trabalho, que demanda maior flexibilidade.
O contrato de trabalho intermitente é uma forma inovadora de contratação, que se adapta às necessidades do mercado atual, caracterizado por sazonalidades e flutuações na demanda por mão de obra. O artigo 443, § 3º, da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) , modificado pela Reforma Trabalhista, define o trabalho intermitente como aquele em que a prestação de serviços ocorre de forma não contínua, com alternância de períodos de atividade e inatividade.
Os questionamentos sobre a constitucionalidade dessa modalidade de trabalho se baseiam, principalmente, na alegação de precarização das relações de trabalho e de afronta aos princípios da dignidade da pessoa humana e dos valores sociais do trabalho, conforme previstos no artigo 1º, incisos III e IV, da Constituição Federal. Contudo, tais argumentos não se sustentam diante da análise prática e normativa das novas regras.
O trabalho intermitente surge como uma resposta à alta taxa de informalidade no mercado de trabalho brasileiro. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) revelam que mais de 38 milhões de trabalhadores estão na informalidade, sem acesso aos direitos trabalhistas garantidos pela CLT. O trabalho intermitente, ao contrário de precarizar, oferece a possibilidade de formalizar trabalhadores que, de outra forma, estariam desprotegidos.
Esse ponto é crucial para defender a constitucionalidade dessa modalidade de contrato, pois atende ao princípio da dignidade da pessoa humana ao garantir um patamar mínimo de proteção social a trabalhadores que, até então, estavam à margem da formalidade. A norma também visa assegurar os valores sociais do trabalho (art. 1º, IV, da CF), ao trazer para a formalidade um grande contingente de trabalhadores informais.
O movimento de que o trabalho intermitente surge como resposta à alta taxa de informalidade no mercado de trabalho é conhecido como formalização do trabalho ou regularização do mercado informal. Esse fenômeno visa integrar trabalhadores que estão em situações de precariedade ou fora do mercado formal, garantindo-lhes direitos sociais e trabalhistas. Trata-se de uma tendência global que busca adaptar as legislações trabalhistas às novas dinâmicas econômicas, especialmente em países que enfrentam altos índices de informalidade.
Esse tipo de medida é parte de um esforço mais amplo para equilibrar as demandas dos empregadores por flexibilidade com a necessidade de proteção dos trabalhadores. O trabalho intermitente, longe de precarizar as relações de trabalho, proporciona aos trabalhadores informais uma via para a formalização, assegurando-lhes direitos como contribuição previdenciária, FGTS e férias proporcionais, que antes estavam fora de seu alcance.
Em nível internacional, há exemplos de contratos de trabalho semelhantes que buscam enfrentar desafios parecidos. No Reino Unido, existe o conceito de "zero-hour contracts", que permite ao empregador contratar trabalhadores sem garantir uma quantidade mínima de horas de trabalho. Esse tipo de contrato é amplamente utilizado em setores como o varejo e a hospitalidade, onde a demanda por mão de obra é irregular. Embora receba críticas, é defendido como uma maneira de formalizar trabalhadores em situações de incerteza.
Na Itália, o “contrato a chiamata", ou "trabalho a chamada", é uma modalidade que permite ao empregador chamar o trabalhador conforme necessário, garantindo-lhe o pagamento proporcional ao trabalho prestado, com os mesmos direitos trabalhistas aplicáveis a outros empregados. Essa forma de contrato tem como objetivo dar flexibilidade aos empregadores sem prejudicar os trabalhadores.
Na Espanha, há o "contrato de obra ou serviço", utilizado para formalizar trabalhos temporários ou de caráter intermitente. Esse contrato preserva os direitos fundamentais dos trabalhadores, como férias proporcionais e contribuições previdenciárias, permitindo a regularização de atividades sazonais ou de curta duração.
Esses exemplos internacionais demonstram que o contrato intermitente é uma ferramenta amplamente utilizada em diferentes países como meio de formalizar o trabalho irregular, especialmente em setores com demanda variável. A adoção desse tipo de contrato no Brasil reflete uma tendência global de adaptação das legislações às novas realidades do mercado de trabalho, garantindo direitos aos trabalhadores que, de outra forma, estariam à margem do sistema formal de proteção social.
Outro importante argumento é a flexibilidade bidirecional do trabalho intermitente, trata-se da capacidade de adaptação que um modelo contratual oferece tanto ao empregador quanto ao empregado, permitindo que ambos ajustem suas necessidades e demandas de trabalho de forma não contínua, sem prejuízo à relação de emprego ou aos direitos trabalhistas. Nesse modelo, o empregado pode recusar convocações para o trabalho sem que isso descaracterize a subordinação, ao mesmo tempo em que mantém a liberdade de prestar serviços a outros empregadores durante os períodos de inatividade. Para o empregador, essa flexibilidade permite ajustar a força de trabalho de acordo com a demanda, sem os custos fixos associados a contratos de tempo integral.
Assim, na defesa da constitucionalidade do trabalho intermitente é a flexibilidade que o modelo oferece tanto ao empregado quanto ao empregador. O artigo 452-A, §§ 2º e 3º, da CLT, garante que o trabalhador pode recusar uma convocação para o trabalho sem que isso descaracterize a subordinação da relação de emprego. Além disso, o trabalhador intermitente tem a liberdade de prestar serviços a outros empregadores durante os períodos de inatividade, o que aumenta sua autonomia e amplia suas possibilidades de renda.
Essa flexibilidade é um dos argumentos centrais para afastar a ideia de precarização. O contrato intermitente permite ao trabalhador adaptar-se a diferentes projetos e demandas, o que pode ser uma vantagem para aqueles que buscam conciliar trabalho com outras atividades, como estudos ou qualificações profissionais.
Outro fundamento bem relevante é o ideal de justiça distributiva e social, que orienta a necessidade de garantir proteção jurídica mínima a todos os trabalhadores, especialmente aqueles que não possuem vínculo empregatício formal. A adoção do contrato intermitente é uma medida que visa equilibrar a necessidade de flexibilidade das empresas com a proteção dos direitos dos trabalhadores.
A norma, ao permitir a contratação em setores com flutuações sazonais e intermitentes de trabalho, como o turismo e a restauração, fomenta a formalização desses empregados, possibilitando-lhes acesso a direitos trabalhistas como o recolhimento do FGTS, a contribuição previdenciária e o pagamento proporcional de férias e 13º salário. Nesse sentido, a modalidade cumpre o seu papel de ampliar a efetivação do direito fundamental ao trabalho (art. 6º da CF), sem sacrificar a proteção social mínima.
A justiça social é amplamente defendida por diversas correntes filosóficas, jurídicas e políticas, além de ser promovida por instituições como a Organização Internacional do Trabalho (OIT) e a Organização das Nações Unidas (ONU). Pensadores como John Rawls e Norman Daniels, com sua teoria da justiça como equidade, defendem que uma sociedade justa deve garantir a distribuição equitativa de recursos, particularmente para os mais desfavorecidos, através de um sistema de direitos básicos e igualdade de oportunidades. O Supremo Tribunal Federal (STF) frequentemente invoca o princípio da justiça social ao julgar questões trabalhistas e sociais, assegurando a proteção de direitos fundamentais e o equilíbrio entre empregadores e trabalhadores.
Os Sindicatos, movimentos sociais e legisladores também defendem a justiça social ao promover políticas que assegurem a inclusão de todos no sistema de proteção social e garantam direitos mínimos aos trabalhadores. A justiça social, nesse contexto, não se trata apenas de garantir direitos formais, mas de criar condições para que todos, especialmente os trabalhadores informais, tenham acesso a uma rede de proteção que os inclua no sistema de garantias previsto pela legislação trabalhista.
Logo, o contrato de trabalho intermitente, ao promover a inclusão desses trabalhadores, garante que a justiça social e distributiva seja efetivada, equilibrando os interesses do mercado e a dignidade dos trabalhadores. Ao inserir milhões de pessoas no mercado formal, esse modelo contribui para a proteção da dignidade da pessoa humana, promovendo os valores sociais do trabalho e assegurando a todos o acesso a direitos fundamentais.
Por fim, deve-se ressaltar que a criação do contrato de trabalho intermitente não excede o poder de conformação do legislador, pois o Congresso Nacional ao estabelecer essa modalidade de contrato, atuou dentro do espaço que a Constituição lhe confere para adequar a legislação trabalhista às novas realidades do mercado de trabalho. Não há, portanto, afronta aos princípios constitucionais ao se buscar uma solução que atenda tanto às necessidades do empregador quanto do empregado em um contexto de rápidas mudanças econômicas e sociais.
O contrato de trabalho intermitente respeita a capacidade de o legislativo adaptar as leis às novas realidades sociais e econômicas. A dialética dessa defesa envolve a tensão entre a necessidade de atualização da legislação trabalhista para refletir as transformações do mercado de trabalho e o respeito aos direitos constitucionais dos trabalhadores. Esse tipo de argumento é amplamente defendido por correntes que valorizam o positivismo jurídico e o pragmatismo jurídico, que enxergam a lei como um instrumento flexível, capaz de se adaptar à evolução das circunstâncias sociais.
No positivismo jurídico, a lei é considerada a principal fonte do Direito, e o legislador tem a prerrogativa de moldar normas que respondam aos desafios contemporâneos. Ao criar o contrato de trabalho intermitente, o legislador brasileiro exerceu essa função, buscando uma forma de conciliar os interesses dos empregadores, que demandam maior flexibilidade, com os direitos dos trabalhadores, que necessitam de proteção. Assim, a legislação reflete uma tentativa de responder às exigências do mercado moderno sem infringir os princípios constitucionais, como a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho.
O pragmatismo jurídico, por outro lado, sustenta que o Direito deve ser interpretado e aplicado com base em suas consequências práticas. Sob essa ótica, a introdução do contrato intermitente visa proporcionar soluções concretas para a alta informalidade e o desemprego, permitindo a formalização de vínculos de trabalho antes inexistentes. Essa corrente argumenta que a aplicação do Direito deve levar em consideração os efeitos positivos da norma, e o contrato intermitente cumpre essa função ao oferecer uma alternativa legal para trabalhadores que, de outra forma, estariam excluídos do mercado formal e desprotegidos.
Portanto, ao estabelecer a modalidade de trabalho intermitente, o Congresso Nacional atuou dentro do espaço que lhe é atribuído pela Constituição, utilizando essa prerrogativa para adaptar a legislação às novas demandas do mercado de trabalho sem qualquer afronta aos princípios constitucionais, mas sim um ajuste necessário para equilibrar as necessidades dos empregadores e dos empregados em um contexto de mudanças estruturais na economia. Esse equilíbrio é fundamental para garantir que a legislação acompanhe a evolução do mercado, proporcionando flexibilidade sem sacrificar a proteção dos trabalhadores.
A corrente positivista defende que as leis devem ser interpretadas e aplicadas de acordo com seu texto, respeitando a autoridade do legislador para adaptar as normas ao cenário social e econômico. Ao mesmo tempo, o pragmatismo jurídico reforça que a aplicação dessas leis deve ser avaliada com base nos resultados práticos e nas necessidades sociais que elas visam atender, buscando sempre o melhor resultado possível para a sociedade como um todo.
Em suma, o trabalho intermitente se insere perfeitamente no campo de atuação do legislador, que, ao regular essa modalidade de trabalho, não desrespeita os princípios constitucionais, mas sim ajusta a legislação às realidades de um mercado que exige novas formas de contratação, garantindo direitos a trabalhadores que, antes, estariam à margem do sistema formal.
Logo, a análise constitucional do trabalho intermitente, conforme exposta no julgamento das ADIs 5.826, 5.829 e 6.154, permite concluir que essa modalidade de contrato é compatível com a Constituição Federal. Longe de precarizar as relações de trabalho, o contrato intermitente proporciona um patamar mínimo de proteção a trabalhadores que, de outra forma, estariam desprotegidos na informalidade. Além disso, a flexibilidade oferecida ao trabalhador intermitente e o respeito aos direitos fundamentais dos empregados reforçam a constitucionalidade dessa forma de contratação, que cumpre o papel de adaptar as relações laborais às demandas do mercado contemporâneo.