
Wilson Fernando de A. Fortunato
Moderador , Contador(a)Ouvi muitos profissionais contábeis dizerem que, as ME's e EPP's que estão enquadradas no Simples Nacional estão desobrigadas pela escrituração contábil completa (diário, razão, etc), estando obrigadas apenas a fazerem o Livro Caixa.
Partindo da idéia de que o Estado realiza atividades nos setores político, econômico, social, administrativo, entre outros, com o objetivo de promover o bem comum, por isso o Poder Legislativo cria, o Poder Judiciário julga e o Poder Executivo, executa ações previstas nas leis que normatizam as relações sociais e caso estas não sejam cumpridas, o Estado pelo seu poder de coerção, tem o direito de aplicar sanções ao infrator (art. 5, inciso II, CRFB-88). Sendo assim, para que nasça a obrigatoriedade da escrituração contábil nas empresas, é necessário apenas o fato de existirem textos legais que versam sobre essa exigência.
A Lei 10.406/02 instituiu o Novo Código Civil Brasileiro, o Livro II da Lei dispõe sobre o Direito de Empresa e no capítulo IV, a partir do art. 1.179, versa sobre a obrigatoriedade da escrituração contábil, para o empresário e para a sociedade empresária:
Art. 1.179. O empresário e a sociedade empresária são obrigados a seguir um sistema de contabilidade, mecanizado ou não, com base na escrituração uniforme de seus livros, em correspondência com a documentação respectiva, e a levantar anualmente o balanço patrimonial e o de resultado econômico.
§ 2º É dispensado das exigências deste artigo o pequeno empresário a que se refere o art. 970.
A Lei é clara em dizer que o empresário e a sociedade empresária estão obrigados e a única exceção do dever supracitado é para o produtor rural e o pequeno empresário, que devem exercer atividade de forma artesanal, cujo capital totalmente empregado na atividade não seja superior a vinte vezes o maior salário mensal vigente no país e a sua receita bruta anual, não seja superior a cem vezes o maior salário mensal vigente no país. Sendo assim, aqueles que não possuem todas as características para estarem inclusos na exceção, estão obrigados a efetuarem a escrituração contábil.
A escrituração contábil é composta pelo resgistro de fatos administrativos, ou seja ações praticadas pela empresa, que alteram de forma qualitativa ou quantitativa o patrimônio e estes registros devem ser expostos através de demonstrações contábeis:
Art. 1.180. Além dos demais livros exigidos por lei, é indispensável o Diário, que pode ser substituído por fichas no caso de escrituração mecanizada ou eletrônica.
Art. 1.186. O livro Balancetes Diários e Balanços será escriturado de modo que registre:
II - o balanço patrimonial e o de resultado econômico, no encerramento do exercício.
Art. 1.188. O balanço patrimonial deverá exprimir, com fidelidade e clareza, a situação real da empresa e, atendidas as peculiaridades desta, bem como as disposições das leis especiais, indicará, distintamente, o ativo e o passivo.
O objetivo da contabilidade é o estudo do patrimônio, que é o conjunto de bens, direitos e obrigações, as variações desses itens e sua mensuração, por isso se alguma empresa só faz uso da escrituração de livros, que só demonstram os bens, só os direitos ou só as obrigações, está contrariando o propósito da contabilidade, já que tal demonstração não exprime a situação patrimonial da empresa.
Art. 1.193 As restrições estabelecidas neste Capítulo ao exame da escrituração, em parte ou por inteiro, não se aplicam às autoridades fazendárias, no exercício da fiscalização do pagamento de impostos, nos termos estritos das respectivas leis especiais.
Existe uma diferença entre a escrituração fiscal, que tem o objetivo de atender às necessidades dos órgãos fiscalizadores das relações tributárias, por exemplo, a emissão de livros de apuração de impostos. E a escrituração contábil, que é uma exigência do Estado, dotado da função de regular as atividades do empresário, da sociedade empresária e dos atos empresariais. O que o art. 1.193 do CCB-02 diz, é que os órgãos fiscalizadores tributários podem não solicitar alguns livros contábeis, porém para o cumprimento das obrigações cívicas estabelecidas pela Lei nº 10.406/02, a empresa é obrigada a ter a escrituração contábil.
Nada é por acaso, todo efeito é originado de uma causa, até mesmo as leis, não são estabelecidas por mera imposição do Estado, sendo assim existe uma fundamentação, ou seja, um motivo relevante, que dá origem a obrigatoriedade da escrituração contábil nas empresas:
Art. 1.191. O juiz só poderá autorizar a exibição integral dos livros e papéis de escrituração quando necessária para resolver questões relativas a sucessão, comunhão ou sociedade, administração ou gestão à conta de outrem, ou em caso de falência.
§ 1o O juiz ou tribunal que conhecer de medida cautelar ou de ação pode, a requerimento ou de ofício, ordenar que os livros de qualquer das partes, ou de ambas, sejam examinados na presença do empresário ou da sociedade empresária a que pertencerem, ou de pessoas por estes nomeadas, para deles se extrair o que interessar à questão.
Art. 1.192. Recusada a apresentação dos livros, nos casos do artigo antecedente, serão apreendidos judicialmente e, no do seu § 1o, ter-se-á como verdadeiro o alegado pela parte contrária para se provar pelos livros.
No caso de sucessão de quotas do capital da sociedade, fusão, cisão, incorporação, insolvência, extinção ou qualquer operação que altere de forma quantitativa ou qualitativa o patrimônio, faz-se necessário informações sobre os bens, os direitos e as obrigações da empresa. A Lei nº 11.101/05 no art. 50, define meios de recuperação judicial, entre eles: incorporação, fusão, cisão e alteração no controle societário. Porém o pedido de recuperação judicial deve ser instruído com os seguintes documentos:
I- Exposição das causas concretas da situação patrimonial do devedor e as razões da crise econômico-financeira;
II- Demonstrações contábeis relativas aos últimos três exercícios sociais e as levantadas especialmente para instituir o pedido, elaboradas com estrita observância da legislação societária aplicável e composta obrigatoriamente de: balanço patrimonial; demonstração de resultados acumulados; demonstração do resultados entre o último exercício social e o pedido de recuperação judicial e o relatório gerencial do fluxo de caixa e sua projeção.
O § 2º do art. 51 da Lei que regula a recuperação judicial, extrajudicial e a falência do empresário e da sociedade empresária, permite às micro empresas e empresas de pequeno porte, apresentar escrituração contábil simplificada (livro caixa), porém deve ser escriturado com toda a movimentação financeira, inclusive bancária, ou seja deve conter a movimentação das contas: caixa, fundo fixo, bancos conta corrente, bancos conta poupança, bancos conta investimento, aplicações de liquidez imediata, entre outras. Porém o livro que contém o movimento dessas contas é o livro razão. Além disso o livro caixa exprime apenas uma parte dos bens, porém o patrimônio é o conjunto de bens, direitos e obrigações. Caso a empresa tenha escriturado apenas o livro caixa, como será possível mensurar o valor de todos os bens que ela possui ? O valor dos créditos que ela tem a receber ? O valor dos empréstimos e financiamentos a pagar ? O valor dos fornecedores a pagar ? O valor das contas a pagar ? O valor dos encargos trabalhistas e previdenciários a pagar ? O valor dos tributos a pagar ? Diante dessas necessidades, o livro a ser utilizado para a instrução no pedido de recuperação judicial, extrajudicial ou a falência, deve conter o balanço patrimonial, que é um dos demonstrativos que possuem a capacidade de indicar a real situação patrimonial do devedor.
Existem ainda outros textos legais, que versam sobre as consequências que podem sofridas pelo empresário ou pela sociedade empresária, caso a empresa não faça a escrituração contábil, antes ou depois da sentença que decretar a falência, conceder a recuperação judicial ou homologar o plano de recuperação extrajudicial:
Art. 178 da Lei que trata das disposições penais dos crimes em espécie, fraude a credores: Deixar de elaborar, escriturar ou autenticar, antes ou depois da sentença que decretar a falência, conceder a recuperação judicial ou homologar o plano de recuperação extrajudicial, os documentos de escrituração contábil obrigatórios:
Pena - detenção, de 1 (um) a 2 (dois) anos, e multa, se o fato não constitui crime mais grave.
Na falta de provas que atendam necessidades fazendárias (uma delas pode ser a escrituração contábil), no exercício de suas funções de fiscalização, a empresa pode responder a questões judiciais, pois existe a possibilidade de que a empresa se enquadre, em uma das disposições da Lei nº 8.137/90, que trata dos crimes contra a ordem tributária:
Art. 1°, Inciso I - omitir informação, ou prestar declaração falsa às autoridades fazendárias.
Pena - reclusão de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa.
Art. 2° Constitui crime da mesma natureza:
I - fazer declaração falsa ou omitir declaração sobre rendas, bens ou fatos.
Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.
A obrigatoriedade da escrituração contábil das empresas, está embasada em vários textos legais, entre eles a Lei nº 10.406/02, que dispõe sobre alguns aspectos, que concernem a elaboração das demonstrações contábeis, entre estes aspectos, podemos encontrar as características que atribuem fé pública, a escrituração contábil, pois é elaborada por uma pessoa que conhece os procedimentos técnicos e profissionais da contabilidade e é assinada por ele, como declaração de que são verdadeiros os registros, a assinatura do empresário e o registro no órgão público responsável pelo arquivamento dos documentos mercantis:
Art. 1.181. Salvo disposição especial de lei, os livros obrigatórios e, se for o caso, as fichas, antes de postos em uso, devem ser autenticados no Registro Público de Empresas Mercantis.
Art. 1.182. Sem prejuízo do disposto no art. 1.174, a escrituração ficará sob a responsabilidade de contabilista legalmente habilitado, salvo se nenhum houver na localidade.
§ 2o Serão lançados no Diário o balanço patrimonial e o de resultado econômico, devendo ambos ser assinados por técnico em Ciências Contábeis legalmente habilitado e pelo empresário ou sociedade empresária.
Por tanto, segundo os textos contidos na Lei 10.406/02 que instituiu o Novo Código Civil Brasileiro, o empresário e a sociedade empresária, devem elaborar a ESCRITURAÇÃO CONTÁBIL, pois fazendo isso, a empresa estará cumprindo o seu dever cívico, que é uma exigência do Direito Comercial ou Empresarial, terá documentos que servirão como prova em juízo, por ser dotada de fé pública e irá usufruir de uma ferramenta altamente eficaz na gestão patrimonial, que proporcionará o crescimento da empresa, otimizando o seu desempenho no mercado.